Wednesday, July 11, 2007
Jornalismo Literário - Rotina de família
Adriana Alves
Andrea acorda às 6h mansamente sobre a brisa da manhã e vai desfilando sua beleza para o banho matinal. Gosta de se sentir bonita e cheirosa durante o resto do dia para dar conta das tarefas do dia. Pega a toalha de seda lentamente, quase que caindo de sono, mas se lembra que tem de estar de pé. Para acompanhar no seu magnífico e sublime banho, não esquece jamais seu estoque de cremes: para limpeza de pele, poros, adstringente, tônico facial, para combater espinhas, acnes, embora tenha uma pele limpa, sabonete líquido. Ela já nascera com esse pequeno e incômodo vício: a de passar horasss a fio no banho, se embelezando, limpa aqui, limpa dali, o ato de passar infinitos cremes causa arrepios.
Dez minutos depois, o irmão Rodrigo já está de pé. Alto, magro, tem olhos mutáveis: tem dias que estão verdes, outros castanhos bem clarinhos, ninguém sabe ao certo a cor. Assim como a irmã, tem manias. Gosta de tomar banho antes de tomar seu café matinal regado a toddynho e um pão assado na sanduicheira. Mas as horas passam, acorda mãe, pai, a sobrinha que vai ao colégio - esta já tomara antes de Andrea. Todos acordam, começam a programar seus dias, mas Andrea continua lá, no seu deleite matinal.
Esquece também que ela tem tarefas para cumprir. Teoremas, álgebras, fórmulas matemáticas, física quântica, trânsito, cansaço, o mesmo repeteco do ano anterior. Passa a maior parte do tempo agarrada aos livros e intermináveis apostilas para tentar passar no vestibular. Porém, não sabe ao certo se quer enfermagem ou psicologia. Sabe que quer seguir a carreira acadêmica e se esforça para isto. Mas o banho não termina e também não se esforça para amenizar a situação. A vontade de estar limpa é mais forte e ela não resiste. Vai dá tempo, vai dá tempo.....Tinha que estar no cursinho às 7h15 da amanhã e ela jura que dá tempo.
-pápápápá!!!!!!!-bate o irmão com toda força na porta. Vai demorarrrrrrrr ainda ôuu!!!!! Tenho que ir por trabalhooooooooooooo powwwwwww!!!!, grita Rodrigo, o irmão mais velho, aquele que acordara dez minutos depois e lutava para conseguir tirá-la de lá.
Andrea faz ouvido de mercador, como sempre lhe dizia seu pai. Mas por que tanta pressa deste garoto? Já devia ter se acostumado. Sabe que as mulheres demoram mesmo, elas querem ficar lindas, cheirosas, maquiadas pelo resto do dia, senão da vida. Neste momento, Andrea, a bela da manhã, ainda nem estava na metade do banho. Tinha começado a se lambuzar de cremes e mais cremes. Tudo isso para conservar a pela macia, como a de bebê e não estava nem aí para as reclamações. Era vaidosíssima. As horas vão se passando lentamente para ela. Cada minuto era ainda mais apreciado. Do lado de fora, a mãe, que já acordara, e o irmão mais velho, já estavam impacientes com a tamanha demora da moça.
E batem na porta, imploram para ela sair. Esboçam reações e ameaças. Ficam zangados, lamentam que ela tenha cursinho tão cedo. Rodrigo, que nunca se intrometera na vida de Andrea e tinha um carinho enorme pela irmã, sugere então para que ela mude de horário, pois assim não atrapalharia ninguém. A mãe concorda para amenizar o clima na casa. Mas Andrea ainda não está pronta. As águas cristalinas e mornas caíam levemente sobre os cabelos loiros dela e seu corpo logo fica ensaboado com os resquícios do shampoo. Adora esta parte, a água quentinha, limpinha, tirando todo o grude que arraigava no seu corpo suado da transpiração da noite. Não se apressa por nada. Nem se perder mais uma aula no cursinho ou chegar atrasada. Queria mesmo era ficar limpinha, demorar-se no banho, satisfazer seu desejo pessoal. Agora era vez do condicionador. Este é mais rápido, mas, mesmo assim, ela não queria passar com rapidez, gostaria de passar lentamente, pois acreditava que os cabelos ficavam mais sedodos e com mais brilho.
O irmão enfurecido e a mãe, que também tem que ir por trabalho, já não aguentam mais todo dia esta rotina estafante: sempre restam dez minutos para cada para ir ao banheiro. Ficam resmungando. Resmungam e resmungam.
Neste dia, Rodrigo quebra um ritual que faz há anos: toma café antes de tomar banho. Estava p. da vida com a irmã. Era o jeito, fazer o quê? Já estava cansado de tanto bater na porta. O relógio marcava 6h40 e todo o terror ja tomava conta da casa. A empregada, apelidada de "Nenem", chega para cumprir mais um dia de sabatina. Logo percebe a tensão que toma conta de Rodrigo e a mãe. Entra, dá um tímido bom dia e já sabe: Andrea está no banheiro. Meu Deus, será mais um dia de estresse, tem certeza disso. Nenem já sabia que Andrea demorava para se arrumar. Era coisa de mulher, era coisa de mulher...repetia em sua mente enquanto começava os serviços domésticos. Sabia que toda mulher demora, mas, logo no iníco, ficou surpresa pelo arsenal de cremes que ela usa. E as reclamações não pararavam.
Andrea finalmente termina seu longo e demorado banho. Já são quase sete horas e ela está atrasada para o cursinho, atrasou a vida do irmão, da mãe. Do banheiro, escuta as broncas, lamentações. Abre a porta lentamente. Deixa o banheiro impecável para o próximo a entrar.
Sai prontíssima para o café: maquiada, cheirosa, limpa. Dá de cara com o irmão raivoso na porta do banheiro, com a toalha na mão. Os dois se olham. Não trocam bom dia. Então, antes de permitir a passagem para seu irmão finalmente tomar um belo banho, ela rapidamente esbraveja:
-Ai meu Deusssssssssss, não acreditooooooooooooooooooooooo!!!!! esqueci de passar o rímel!!!!Não saio sem eleeeeeee!!!!!!!!!
Ela volta então para o banheiro deixando a mãe e o irmão na beira de um ataque de nervos, desajustando suas rotinas diárias.
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4 comments:
Drica adorei seu texto e percebi como vc já está familiarizada com o fluxo de consciência. Me identifiquei muito com a tal da Andreia! rsrsrsrsrrs
Muito legal o texto, Drica. Arrisca até a descrever os sons da fala tal como ocorreram. Boa descrição, boa utilização dos recursos literários. Percebi que nesses textos de fluxo o pessoal acabou se soltando muito mais que no texto do ambientalista. Um fato real conhecido por todos parece ainda criar na gente medo de arriscar.
Ah, Camila, não posso deixar de registrar. A minha identificação foi muito maior com o sensato irmão de Andrea!
Achei a leitura cansativa. Pulei do meio do texto p/ as duas últimas linhas.
Texto ficaria bem mais interessante se fosse mais curto.
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