Friday, July 27, 2007

Jornalismo Literário - Na escola

Flávio Freitas

- Caramba! Gritou de alegria o jovem Antonio, estudante de Letras Vernáculas da Universidade Estadual de Feira de Santana. Antonio fora selecionado para mininistrar aulas de português no colégio Teotonio Vilela, situado no bairro João Paulo, na mesma cidade da Universidade. Ao chegar na escola, fora recepcionado por uma secretária da diretoria, que fez com que lembrasse do seu tempo de estudante colegial. Era baixa, gorda, velha, usava óculos, uma blusa estampada sem mangas e uma calça marrom escura. Logo disse:

- Boa tarde meu filho, em que posso ajudar?

- Não, é porque eu vim encaminhado pela DIREC - orgão regulador da educação no estado e no município - para dar aulas de português nesta instituição para as turmas de 7° e 8° séries. "Aliás, esse é o problema do professor, enquanto dentistas e médicos vendem consultas, o professor dá aulas"

- Você aguarda um momento que vou anunciá-lo à diretora!

- Está bem, respondeu o pré-professor de maneira educada.

Avistou uma cadeira e, logo sentou, começou a olhar para os quatro cantos da sala. Mais uma vez, recordou o tempo de estudante. "Pois é, estou de volta", lembrava das peripécias que aprontava, porém agora estava do outro lado. "Seu traira!"

Quando foi permitida sua entrada, a diretora, outra gorda, aliás, começava a pensar que esse é o fim das professoras e profissionais das escolas, elas ficam velhas, gordas, passam a usar óculos..., enfim, a diretora perguntou:

- Então você veio da Direc?

- Sim, respondeu Antonio entregando-lhe a documentação dentro de um envelope grande, daqueles tipo para currículo.

- Ah, mas é uma pena, você veio muito tarde, eu dei a vaga ante-ontem para outra professora, você sabe como é, era caso de urgência.

Meus Deus, como pode, nem começara a trabalhar e já estava demitido. Novo recorde mundial. Antonio não sabia o que dizer, começara a gaguejar, suas mãos suavam, parecia que o mundo ia desabar, como falaria isso para seus amigos que esparavam no bar para comemorar? De repente uma luz no fim do túnel começou a surgir:

- Você sabe inglês?

- Hot Dog, respondeu Antonio, na tentativa de ser simpático. Conseguiu. A diretora chegou a chorar de tanto rir.

- Gostei de você, a vaga é sua.

- Mas a senhora disse que...

- Não, é outra vaga, para professor de inglês, esses meninos nem hot dog sabem o que é?

Foi quando, de repente, surgiram o anjo e diabinho na cabeça de Antonio para um debate em segundos. Como poderia aceitar e contribuir para o sucateamento do ensino público, meu negócio é língua portuguesa. Por outro lado, pensava em como ficaria sem grana por mais um período e como decepcionaria seus amigos. Prevaleceu a razão financeira. Afinal, poderia estudar durante uma semana e aplicar uns trabalhos...

- Aceito! Quais são as turmas?

- Ensino Médio, 1°, 2° e 3° ano.

- Tô fora! Retruncou Antonio.

Como poderia um estagiário, do terceiro semestre de língua portuguesa, ministrar aulas de inglês para pessoas que iriam fazer o concurso de vestibular? Não, não poderia aceitar, aí também já é demais.

Porém, a diretora insistia. Falava que, pela experiência dela, era muito melhor trabalhar com ensino médio do que com o fundamental, o que Antonio comprovaria mais tarde.

Mais uma vez a dúvida se instalara na sua cabeça. E agora José? Ser ou não ser (professor de inglês), eis a questão?

Antonio topou a parada e saiu em disparada para casa, com certeza preparou um bom hot dog para devorar!

Mais tarde, descobriu que a professora que o substituira era sobrinha da diretora e, como ele, não poderia voltar para Direc sem estar com a documentação que comprovaria sua entrada na escola. A diretora arrumou-lhe esse problema, ou melhor, esse "pertaining to school problem".

Jornalismo Literário - Triste Fim!

Flávio Freitas

O que leva a alguém assassinar uma pessoa que luta pelo bem geral de todos?

Pois é!, lembram do amazonense Chico Mendes? Qualquer semelhança não é coincidência.

O personagem é diferente. Antonio Conceição Reis, 44 anos, é negro, alto, assim como o seu sonho, magro como a alma dos seus agressores e olhos de quem sofreu durante uma vida inteira em busca dos seus ideias. Antonio residia no bairro de Itapuã, lugar onde conquistou admiradores pelo seu trabalho, entre eles o de tirar meninos das ruas e trasformá-los em guias mirins, através do projeto social Meninos do Abaeté. Também, conquistou inimigos, como os comerciantes que deixavam de lucrar quando Antonio lutava para impedir festas que acabavam com a natureza do Parque do Abaeté. Também estava processando policias que se achavam no direito de invadir as casas de cidadãos de bem, assim como a do ambientalista.

Como nem Jesus agradou a todos, o humilde Antonio e sua família sabiam dos inimigos e das ameaças de morte, como sua própria esposa, dona Eliene Sampaio Reis, disse, no depoimento à polícia:

-... O que sei é que a morte dele seria coveniente para muita gente.

Porém, Antonio ignorava as ameaças e tentava levar uma vida normal. Assim, numa manhã que parecia ser como outra qualquer, os pássaros cantavam e os primeiros raios do sol começavam a surgir no bairro que ficou eternizado na voz de Dorival Caymmy. Antonio retornava à sua residência, situada na rua Guararapes, número onze, uma rua pacata com casas simples, que abrigam amendoeiras nos seus passeios. Após deixar sua filha paraplégica de 16 anos na escola, foi abordado por quatro homens encapuzados que saíram de dentro de um carro EcoSport preto, com vidros pretos, que entrara na rua em alta velocidade, cantando os pneus. O mesmo carro, de placa fria IQS 9300, fora roubado no mês de maio no bairro do Garcia.

Os bandidos desceram do carro e dispararam tiros de armas que só a polícia tem o poder de usar. Pobre Antonio, o que será que passou pela cabeça desse defensor da natureza ao ver várias armas apontadas em sua direção? Por mais que tenha imaginado, nem mesmo o Hitchcock, autor e diretor de filmes de terror, conseguiria imaginar tal barbaridade que se seguiria após tomar vários tiros. Os assassinos brutais, como se não bastasse o ato covarde, ainda colocaram o corpo indefeso no porta malas do carro e seguiram até o Parque Sucupira, onde incendiaram o veículo que transportava o corpo do ambientalista.

Jornalismo Literário - Acarajé Arretado!

Flávio Freitas

Sabe aquelas vontades que os outros perguntam:

-Você está grávida?

Se não fosse um homem, poderia até cogitar a hipótese. Pois a vontade de comer um acarajé na baiana do Porto da Barra me consumia há dias. Isso porque, residente de Feira de Santana, uma cidade do interior da Bahia, situada a mais ou menos uns 108 km da capital Salvador, e fã da comida típica baiana, nunca havia comido da iguaria tão comentada pelos amigos, também fãs da guloseima.

Para matar minha vontade, tinha que me contentar com o acarajé de Feira. Não que eu tenha nada contra a Princesa do Sertão, como é carinhosamente chamada pelos seus moradores, mas o problema é que acarajé é uma comida típica da Bahia e, segundo, para o pessoal da capital, Feira não é nem Bahia. Sem falar que as baianas, vendedoras de acarajé de lá, nem se vestem como tal. É um tal de roupa velha, sem saia rodada, umas nem usam lenço na cabeça, imagine? Acho até que faz perder o gosto do bolinho de acarajé.

Então comecei a botar em prática o plano de ataque ao acarajé. O problema seria como? Eu não poderia falar que iria a Salvador só para comer um acarajé. Todos me chamariam, no mínimo, de imbecil ou idiota. Meu pai me colocaria num hospício, ou pensaria que seu filho estava virando viado. Então tentei encontrar um pretexto. Jogo do Bahia, ahã, não poderia ser melhor, matava dois coelhos numa cajadada só! Via o meu time do coração e, de quebra, comia meu prato predileto. O problema é que o Bahia foi desclassificado do torneio antes da partida de volta na Fonte Nova. Ah time FDP!

Vamos para o plano B. Prova do vestibular, mais uma vez unia o útil ao agradável. E, dessa vez, não tinha como não ir a Salvador, afinal estudei o ano todo para isso.

Cheguei na capital na noite de sábado do dia 22 de janeiro. A prova seria no domingo 23 pela manhã. Ainda pensei em ir ao encontro da satisfação do meu pecado no próprio sábado. Mas, como era à noite, corria o risco de não encontrar a tal baiana do Porto da Barra. E também precisava descansar, pois a prova era no outro dia e depois..., ah depois comeria o tão sonhado acarajé completo da baiana do Porto da Barra.

Amanheceu! Ao caminho da prova, que acontecia no prédio da Faculdade de Economia da UFBA, ia pensando. "É, caso faça uma boa prova, vou comer o acarajé pra comemorar, se me der mal, tem nada não, vou comer o acarajé para afogar as mágoas".

Terminada a prova fui andando até o Porto da Barra debaixo de um sol que deveria fazer uns 40°c. Como era do interior e conhecia muito pouco de Salvador, inventei de ir andando. Para piorar a situação, vestia uma calça jeans bastante surrada, uma blusa azul clara, que logo ficara escura devido a grande quantidade de suor que minha pele expelia, um par de tênis novo que fazia calos nos meus pés e um boné branco, que até me foi útil. Quando, de repente... Tchan Ran!!!!! Avistei aquela cena tão esperada, uma baiana de acarajé com cara de baiana de acarajé, com blusa branca, saia rodada branca, lenço na cabeça branco, cantando uma música de Daniela Mercury, debaixo de um guarda-sol azul e branco, com uma mesa de madeira que guardava os bolinhos de acarajé e seus acompanhamentos. Meu Deus, parecia sonho! Logo cheguei e disse:

- Um acarajé por favor!

- Caprichado freguês? Perguntou a baiana que interrompera a cantoria para me atender.

- Ô! E bota capricho nisso!

Maldita frase! Nunca me arrependi tanto em proferir tão poucas palavras!

Ao pegar o acarajé e encarar aquela coisa maravilhosa, ao curto caminho de levá-lo até minha boca, pensava: até que enfim! Pronto, agora milésimos de segundos separam a satisfação da minha gula, até que... Comecei a ficar vermelho, em seguida lágrimas escorriam pelos meus olhos, fiquei sem voz na tentativa de suplicar por um gole de água. Como eu, um simples morador do interior da Bahia, na tentativa de matar o meu desejo, nem lembrei de pegar um dicionário regional, a tempo de saber que caprichado era com PIMENTA! mas eu não disse caprichado, eu disse: "- E bota capricho nisso!", ou seja, muita PIMENTA!

Na tentativa de respirar, pensava, nunca mais vou comer um acarajé na minha vida. Tá decidido, agora só como abará!

Wednesday, July 25, 2007

Jornalismo Literário - Casamento morno

Aline Barnabé

Ninguém podia dizer nem que eram felizes, nem que eram infelizes. Morna seria a palavra que definiria a relação de Antonia e Carlos. Eram casados há 15 anos e as pessoas próximas não tinham muitas coisas para falar em relação a eles dois. Antônia tinha 35 anos, era exigente, mimada, às vezes equilibrada e vivia num mundo muito particular. “Nossa!! Já estou com 35 anos, beirando os 36...por que fui casar tão jovem... com 20 anos. Que droga, viu? Por que minha mãe não proibiu? Queria tanto ainda estar na casa dos meus pais, sendo pararicada, mimada, recebendo todas as atenções... agora tenho que ficar aqui com Carlos, mendigando atenção, implorando por um gesto de carinho...Ainda bem que não tive filhos. Se tivesse tido era aí mesmo que Carlos não ligaria a mínima para mim. Eu não agüentaria, juro que não agüentaria!”

Carlos era bem resolvido, mas vivia preso às chantagens emocionais que Antonia fazia. Sempre querendo atenção e mimos. Com 40 anos, aprendera com o tempo a ter paciência com ela. Além de paciência, era flexível, equilibrado e pouco romântico. Seu casamento era algo que, ultimamente, andava tirando seu sono. “Tantos anos de casamento e nada muda. Antonia parece mais mimada e cheia de vontades do que no início do relacionamento. Eu com 40 anos, não tenho um filho sequer para cuidar, para me chamar de pai. Que saco! Talvez um divórcio fosse melhor para nós dois. Ela poderia encontrar alguém que satisfizesse seus caprichos e eu encontraria uma mulher que me desse um filho. É...essa é uma idéia para amadurecer!"

Eles ainda não sabiam, mas a vida deles sairia da temperatura branda e seria esquentada com brigas, discussões e, no final, a vida sorriria para os dois!

Jornalismo Literário - Crime

Aline Barnabé

A manhã do dia 9 de julho começou como sempre para Antônio Conceição Reis. Acordou cedo, tomou o café da manhã e partiu para levar sua filha paraplégica, de 16 anos, à escola. Quando estava retornando para casa, no bairro de Itapuã, por volta das 7 horas, sua vida teve uma virada completa. Pensou em sua esposa, nas duas filhas e em toda a sua vida como ativista ambiental. Nesse momento, quatro homens encapuzados pararam o ambientalista em frente a uma garagem de uma casa vizinha à sua, e ele foi rendido. Os quatro homens assassinaram friamente Antônio Reis.

Após os tiros, ouvidos pela vizinhança, os encapuzados colocaram o corpo no porta- malas de um Ecoesport prata roubado horas antes do crime. No local restaram apenas as marcas de um assassinato brutal (massa encefálica e dentes da vítima) e 14 cápsulas de pistolas ponto 380 e 40, de uso exclusivo da polícia. Os quatro saíram em disparada em direção ao local onde o carro e o corpo seriam queimados.

- Qual o local de conclusão da parada? - Questiona um dos quatro que está ao volante.

- Vamo seguir o combinado. Localidade de Cordoaria, pro lado de Camaçari, próximo ao Recanto Ecológico Sucupira. Ele vai ficar em lugar que tem a ver com sua luta ecológica - respondeu fazendo gozação do ambientalista.

Horas depois o carro foi encontrado e encaminhado para o Nina Rodrigues (IML). A esposa do ambientalista, Eliane Sampaio Silva Reis, muito abalada, prestou alguns esclarecimentos à Delegada Francineide Moura, titular da 12ª Delegacia, em Itapuã. A delegada acredita na possível participação de policiais na morte do ambientalista.

- D. Eliane, a senhora tem alguma idéia de quem pode ter feito ou planejado a morte do seu marido?

- Olha Doutora, faz um ano que Antônio vem recebendo ameaças de morte tanto por telefone quanto por bilhetes deixados na parta de nossa casa.

- E qual seria o motivo dessas ameaças?

- Além de ambientalista, Antonio era também presidente da ONG Nativos de Itapuã. Ele conseguiu junto à prefeitura que as festas de Carnaval e Reveillon no Parque do Abaeté não fossem mais realizadas. A área do Parque do Abaeté é uma área de proteção ambiental. Mas, os comerciantes da região ficaram insatisfeitos, pois as festas já era uma tradição de quase 50 anos.

- Existe outro motivo para que seu marido tenha sido assassinado?

- Bem, em janeiro deste ano, policiais civis invadiram nossa casa e reviraram tudo atrás de traficantes. Eles reviraram móveis e destruíram alguns objetos na nossa além de mim e do meu marido, nossas duas filhas estavam presentes no local. Foi um horror.

- Vocês tomaram alguma providência?

- Então, ficamos muito revoltados com a ação da polícia civil e Antônio foi prestar queixa contra os policiais. Mas, devido as constantes ameaças que vinha recebendo, ele pensou até em retirar a queixa.

O corpo de Antônio Conceição Reis, de 44 anos, foi reconhecido no IM. O mais intrigante e ao mesmo tempo triste é a possível participação de policiais civis. No dia em que foi assassinado o ambientalista faria o reconhecimento dos policiais que invadiram sua residência em busca de traficantes.

Jornalismo Literário - Crime no bairro encantador

Gabriela Braga

Foi-se o tempo que as pessoas podiam “passar uma tarde em Itapoã, ao sol que arde em Itapoã, ouvir o mar de Itapoã e falar de amor em Itapoã”, como diz a música de Toquinho e Vinícius. No início da década de 50, o bairro era apenas uma colônia de pescadores em uma região afastada do centro de Salvador. A praia passou a ser ponto de veraneio predileto dos soteropolitanos e, hoje, Itapoã é uma perigosa atração turística.

Segunda-feira, 9 de julho de 2007. Um assassinato brutal estava para acontecer em um dos bairros mais populosos e populares de Salvador. Mais uma semana começava para o ambientalista Antônio Conceição Reis, de 44 anos. Como de costume, Antônio acordava cedo para levar sua filha, de 16 anos, à escola. Quando voltava para casa, o ambientalista foi abordado por 4 criminosos em frente à garagem de uma residência na Rua Guararapes, por volta das 7h.

Armados de pistolas, os bandidos encapuzados desceram do veículo e atiraram em Antônio, que caiu ao chão e recebeu mais tiros. Em seguida, os criminosos jogaram a vítima no porta-malas do carro e fugiram. Esse foi o relato de vizinhos que presenciaram o crime e comunicaram o fato à Polícia, que encontrou no local 14 cápsulas de pistolas ponto 380 e 40, de uso exclusivo da polícia. Horas depois, um corpo de um homem foi encontrado carbonizado dentro de um veículo em Cordoaria, distrito de Camaçari.

Reis era presidente do Grupo Ecológico e Cultural Nativo de Itapuã. Evaraldo Sampaio, vice-presidente da entidade, disse que ele vinha sendo ameaçado desde que conseguira impedir a realização de festas de Carnaval e Reveillon no Parque do Abaeté, uma área de proteção ambiental de Salvador, contrariando a maioria dos comerciantes da região.

O Parque Metropolitano do Abaeté é um imenso patrimônio ambiental e turístico, composto por dunas, lagoas, vegetação nativa e 255 hectares de área urbanizada. São mais de 12 mil metros quadrados de preservação que transformam o espaço num dos maiores centros de lazer ecológico do Nordeste. Mas falta segurança no local. A Lagoa do Abaeté era um ponto de referência para os baianos. Um lugar famoso por suas lendas, como a história do surgimento da sua "lagoa escura arrodeada de areia branca", que nasceu das lágrimas de uma índia abandonada no dia de seu casamento. As lendas do Abaeté são muitas, e o ambientalista Antônio Reis tentava preservar aquele local com tantos encantos.

A esposa de Antônio, Eliane Sampaio Silva Reis, muito abalada com tudo o que aconteceu, confirmou as informações de Sampaio. Segundo ela, as ameaças de morte vinham através de ligações anônimas e bilhetes deixados na porta de sua casa, há cerca de um ano. Eliane contou ainda que em janeiro deste ano, durante uma operação da Polícia Civil de combate ao tráfico de drogas na Baixa do Soronha, policias do COE invadiram sua casa à procura de traficantes, tendo revirado todo o imóvel e destruído alguns objetos na presença de Antônio, sua mulher e das duas filhas adolescentes. No dia do assassinato, inclusive, Antônio iria à Corregedoria da Polícia Civil, onde havia registrado a invasão à sua casa. Eliane chegou a falar que, devido às constantes ameaças, Antônio comentou que talvez desistisse de fazer o reconhecimento dos policiais, pois temia pela sua vida e da família.

Esses são os pontos de um crime que deve demorar de ser esclarecido. O corpo encontrado carbonizado é mesmo do ambientalista. Enquanto o crime não é esclarecido, familiares, vizinhos e toda comunidade de Itapoã lamenta pela falta de segurança no bairro.

Jornalismo Literário - O pedido

Gabriela Braga

Ai meu Deus, é hoje. É hoje!! Que horas será que ele chega? Hoje ele não tem a desculpa da chuva. O dia está lindo!! Ohhh, que dia lindo meu Deus!! Vou amansar a fera enquanto isso, para que nada saia errado. Minha mãe pode querer atrapalhar meus planos, mas estou decidida. Vai dar tudo certo. Minha mãe aceitando, meu pai vai ser tranqüilo. Ele faz tudo o que ela quer mesmo. É. Vou tomar banho, tomar café e papear com a véa. Não, não. Vou papear com a véa, tomo banho e não tomo café. Tô nervosa demais pra comer. Mas aí ela vai perceber. Tenho comido que nem uma porca. Tudo culpa de Guilherme que me faz ficar ansiosa desse jeito? 9 horas. Guilherme disse que chega 10. Melhor correr. Xiii, a véa não tá com a cara muito boa. Ela está entretida na revista Caras da semana. Vou chegar e dar um bom dia bem feliz. Tipo, bom diaaaaaaaaa flor do diaaaaaaa!! Hahahaha. Ela não vai entender o motivo de tanta felicidade. Melhor só um bom dia mamãe querida. Não, mamãe querida é forçar a barra demais. Bom dia, mãe! Pronto, bom dia mãe! É, acho que não agradou não. Antes eu tivesse gritado bom dia flor do dia. É melhor eu comer antes que ela desconfie. Melhor eu avisar logo que Guilherme está chegando. Guilherme está chegando viu!?! Por que? Ah, porque sim, porque ele me ama e porque vamos nos casar. Aí a véa enfarta de vez. Porque vamos passar o domingo juntos. Isso, vamos passar o domingo juntos. Temos planos. Não, não, esqueça os planos. Vamos só passar o domingo juntos! 9h40. Êta pau. Que dor de barriga. Será que Guilherme exige a minha presença quando for falar com minha mãe? Acho que não vou conseguir. Aiii Jesussssssss... O interfone!! É Guilherme, é Guilherme!! Eu vou casar, eu vou casar!! Uhuuuuu!!!

Monday, July 23, 2007

Jornalismo Literário - A primeira vez de Roberto

Marvin Kennedy

Seus pés, calçados com um sapato negro de couro ilegítimo e meias pretas, chocavam-se contra o assoalho de textura laminada num compasso menor do que ritmavam seus batimentos cardíacos. No entanto, o ônibus ainda vazio tinha a acústica quase que perfeita para fazer ressonar de forma estrondosa o som emitido pelo solado desgastado ao chocar-se com o assoalho de alumínio, sujo e arranhado. As barras da calça de linho, também negra e fosca, que parece ser usada todo santo dia, balança como um sino nas canelas finas daquele homem magro e negro com um corte de cabelo com design feito à navalha em salão de beleza unissex de bairro popular.

A única exceção à moda blecaute é sua camisa de botão branca e de mangas longas com o punho abotoado e que escondia, no pulso esquerdo, um relógio digital com pulseira de borracha, de dez "conto" na passarela do Iguatemi. Como numa contagem regressiva, o homem, a cada segundo, passeava seus olhos pelos números digitais formados em traços hexagonais. Cada vez que ele olhava os segundos que se passavam, perdia outros tantos olhando quem estava no ônibus, como se procurasse por alguém, ou como se alguém o estivesse observando. Cinco, seis, sete... os segundos se passavam e ele sabia que ainda era cedo.

Sentado na cadeira do corredor da quarta fileira de cadeiras duplas, com estofados que imitam o estampado de um mix de mármore negro, azul e branco, o homem olhava para as janelas laterais e para o pára-brisa do motorista. Ele sabia que ainda não era hora. Sua aflição aumentara e agora fazia um tac-tac com o choque de duas unhas não cortadas e que pareciam ter sido limpas com palitos de fósforos já acendidos. Não havia ninguém na cadeira ao seu lado, apenas nas cadeiras da quarta fila, porém do lado oposto.

Na janela oposta, um guri, com um fone de mp3 no ouvido, estava atendo à paisagem que lhe fora imposta no trajeto de Lauro de Freitas até o Terminal da França e que se passava a uns 85km/h. O tac-tac das unhas irritava a mulher ao lado do guri. Ela mordia a boca, rangia os dentes como quem tem bruxismo. Era ginge. A mesma agonia que sentimos quando o giz branco risca o quadro negro. Ela não entendia porque ele não parava com aquele tique nervoso. O tac-tac das unhas era para ela como um grito agudo e estridente é para o cristal.

Novamente passeando os olhos no relógio, ele continuava sem saber se já era a hora de atuar.

Atrás do homem, uma mulher curiosa, encostada na cadeira da janela, ergue o pescoço para saber de onde vêm os ruídos que já estavam incomodando-a. Mais do que a descoberta da origem dos sons, a mulher se assusta com um volume negro e reluzente em que a mão do homem repousava entre as pernas.

Ela não pensava em outra coisa, a não ser o desejo obsecado em descobrir que diabo era aquilo na mão dele? Continua pensativa enquanto ajeitava sua calça jeans ultra apertada, com um cinto maior que sua cintura e que escondia, junto com a blusa de malha fria, o umbigo feio.

Ela ergueu novamente o pescoço e não conseguiu perceber o que era o volume que aquele homem tinha nas mãos.

Tac-tac. A mulher continuava a ranger os dentes. Ela continuava se perguntando porque ele não parava de bater as unhas e totalmente nervosa, não fazia nada, nem coragem tinha, para que ele parasse de bater as unhas. O homem continuava a batucar com os pés e riscar as unhas umas nas outras. Ele ainda não sabia se já era hora. Como uma coruja, seu pescoço virava quase que 360 graus para ver quem estava no ônibus. Um dobrar de pernas, uma ajeitada na blusa. Imaginava que alguém o espionava. Sabia que a hora era agora! Se tinha que fazer, era melhor fazer logo.

Já se passaram sete quilômetros e o homem olhou mais uma vez a janela e parou de bater os pés e roçar as unhas. A mulher sentiu o alívio dos seus músculos bucais relaxando. O pescoço da outra se esticou mais uma vez inutilmente para, pela última vez, tentar ver o volume negro e reluzente que o homem carregava. Os pés desta vez se firmaram contra o assoalho e as barras da calça negra esconderam as meias pretas e agora já arrastavam no alumínio frio.

Ainda sem saber se era a hora certa, o homem levantou-se, deu dois passos, se virou para o lado do cobrador, mostrou a todos aquilo que a pescoçuda tentava ver durante o percurso e disse com uma voz trêmula:

- Levantem as mãos...

...e louvem o nosso Senhor Jesus Cristo, com a graça de Deus. Cantemos irmãos! Para te adorar ó Rei dos reis, foi que eu nasci ó Rei Jesus...

Roberto Fonseca Gois, recebera sua primeira missão como "irmão" da Assembléia de Deus: pregar no buzú.

Jornalismo Literário - Visita ao dentista!

Camila Danon

Vou chegar atrasada, mas tudo bem, quem vai ter pressa para colocar dois mini-implantes e perfurar a gengiva? Esta dentista toda hora inventa uma novidade, ainda bem que não vou precisar colocar aqueles aparelhos em circunferência, que tomam a cara toda, mas também, depois de tantas inovações na área da odontológica, acho que já inventaram algo melhor e que não seja motivo de chacota entre a turma. A consulta estava marcada para às 9h, mas meus péssimos hábitos noturnos não me deixaram chegar a tempo. Minha mãe fala que pareço um zumbi e ainda não consigo fazer uma coisa de cada vez, tem que ser tudo ao mesmo tempo, ligo o computador e vou ler e-mails, mas a televisão tem que estar ligada para aguardar o programa do Jô, depois de alguns minutos batendo papo no msn, minha garganta fica seca, meu estômago começa a roncar, mas é tarde, não vou comer uma hora dessas. Então levanto, vou na cozinha e me satisfaço com um copo de leite, dá para agüentar até amanhã!

Cheguei no consultório às 9h15 e, pacientemente, aguardo folheando algumas revistas de fofocas. Nossa, eu estou sozinha, vou ser a próxima, começo a sentir aquele friozinho na barrida, uma mistura de medo e ansiedade, quero que tudo acabe logo. De repente, aquela porta que desliza em trilhos se abre, sai Verônica, a funcionária multiuso, é assistente do dentista quando ele está realizando algum procedimento cirúrgico e secretária, atende os telefones, anota recados, marca consultas e...enfim, ela veio me avisar que em 15 minutos seria atendida. Poxa, o confronto com o dentista estava próximo, mas vou relaxar, já estou acostumada, já arranquei tantos dentes, dentiqueiro, será que é pior? Prefiro não pensar!

Saiu uma paciente, agora vou ser atendida, mas a voz de Verônica avisando para entrar não me intimida, já cheguei até aqui, não adianta fugir, quero ficar com minha dentição perfeita, parecendo comercial de creme dental, é, a vaidade requer alguns esforços, e que esforços... Dr. Bruno me recepciona como um velho amigo, parece que já nos conhecemos há anos, mas, na verdade, esta é a segunda vez que nos vimos pessoalmente, mas seus olhos verdes me transmitiam paz e seus dois metros de altura me passavam segurança. Ao entrar na sala fui logo tratar da parte burocrática, o pagamento, como alguém pode pagar para sofrer na cadeira de dentista? Tratamento odontológico é um investimento, espero que valha a pena. Depois de tudo acertado, ele resolveu colocar a vestimenta, entrou no banheiro do consultório para trocar seu paletó e gravata por uma blusa de manga verde, aquele tecido apropriado para cirurgia, idêntico a roupa dos personagens da série plantão médico, que passava na tv.

Verônica agora desempenha o papel de assistente e me orienta a sentar na cadeira. Começa a limpar meu rosto com álcool, poxa, esqueci de ir ao banheiro, Verônica ficou retada, depois de esterilizar tudo, ela resolve ir ao banheiro, porque não foi antes quando estava na sala de espera, coitada ela deve estar com medo, faz parte da função de Verônica e mais uma vez ela repete o processo, pega a pinça, pinça o algodão, molha o algodão no álcool e limpa cada centímetro do meu rosto. Que paciência! Sua feição é natural, transmite tranqüilidade, acho que ela quer me acalmar, mas quando ela pegou aquele lençol, porque parece um lençol de tão grande, ela cobriu todo o meu rosto até a cintura com um pano, só com uma abertura na região da boca e manda colocar um óculos para proteger os respingos, mas respingos de que? Eu indaguei, mas ela preferiu dar um belo sorriso e mostrar sua dentição perfeita, que inveja!

Verônica sabia que seu silêncio seria melhor do que eu ouvir a verdade. Ela não precisa saber de tudo que vai acontecer no procedimento cirúrgico e a anestesia que Dr. Bruno vai aplicar nela vai minimizar seu sofrimento, mas Verônica não sabia que durante o processo sua fisionomia iria mudar e fazer caras assustadoras. Sua testa franzia, contei cada franzido da testa de Verônica, tem cinco quando ela está com nojo e seis quando ela não quer olhar, mas Verônica não pode transmitir medo para não assustar o paciente e Dr. Bruno sinaliza, presta atenção, coloca o sugador, isto aqui é osso e isto aqui é dente Verônica. Hammmm, ela não quer saber o que é o que, ela fica mentalizando coisas boas, chocolate, praia, o beijo do seu namorado mais tarde quando sair do consultório, que estará lhe esperando sentado na sua moto, comprada em financiamento, com muito esforço do seu árduo trabalho de motoboy, qualquer coisa que pudesse esquecer aquele jorrar de sangue e tranqüilizar a paciente.

A cirurgia, que era para durar 1h, ocupou o dobro do tempo previsto. Dr. Bruno já estava corcunda e com dores na coluna, acertou mais alguns detalhes, esta é a pior parte, tenho que colar os mini implantes minuciosamente, pois um erro tem que refazer tudo de novo. E ainda preciso atender alguns pacientes antes de encerrar para o horário do almoço. Mas que almoço, não vai dar tempo, o jeito vai ser pedir alguma comida aqui no consultório mesmo. Na parte da tarde também tenho mais duas cirurgias, a de Ana Paula e Daniela, será que Verônica ligou para as meninas para confirmar? Espero que sim, pois esta já é a segunda remarcação por falta de atenção de Verônica. Hoje acho que vou comer besteira, já sei vou experimentar o sherec menu, hummmm, que delícia, deve ser muito gostoso, adoro queijo chedar... dois hamburguês, alface, queijo, molho especial, cebola e picles num pão de gergelim, nossa, aprendi a musiquinha da Mc Donalds por osmose de tanto ouvir, vou parar de assistir tv enquanto estiver atendendo aos pacientes. Até que enfim, terminei, será que Verônica também vai querer experimentar o sherec menu? Depois pergunto. Esta cirurgia foi cansativa, vou me lavar e atender o próximo.

Nossa, estou tonta, vou ficar mais um pouquinho na cadeira, acho que é normal, Dr. Bruno disse que é normal, muito tempo deitada na mesma posição. Ele deve ter pensado, que menina corajosa, ele é tão gentil, mas eu vi uma aliança na mão direita, ou será esquerda? Não importa, é comprometido de qualquer jeito, mas não custa nada admirar. Daqui a uma semana eu volto para tirar os pontos, outro sofrimento, será que dói? Até mais Verônica, sua fisionomia caricatural sempre estará marcada na minha lembrança.

Jornalismo Literário - Saudades da minha Encarnação

Camila Danon

Era dezembro, mês das férias, das festas de fim de ano, de viajar e curtir uma praia no litoral baiano. O ano era 1990, lembro ainda como se fosse hoje, a minha empolgação, vamos viajar para ilha, perto de Salinas da Margarida, Encarnação.

Minha avó materna mantinha uma casa de veraneio na ilha para a família. Gostava de ver a casa cheia, reunir os filhos, com seus respectivos companheiros e netos. Devido ao antigo hábito de acordar cedo, ela preferiu pegar o primeiro ferry de cinco horas com a filha caçula, seu marido, o filho e nos aguardar lá.

A fila para pegar a embarcação que conduz a Bom Despacho estava dando voltas no horário das dez horas e terminava em São Joaquim, mas estamos com paciência, acordei relativamente cedo, tomei um café reforçado e preferi vestir logo meu biquíni novo, rosa com florzinhas vermelhas por debaixo do vestido branco. Não queria perder tempo quando chegasse na ilha e sim aproveitar cada minuto de sol, me banhando nas tranqüilas águas do mar. Minha única aflição eram aqueles bichinhos asquerosos, que viviam na areia da praia, próximo ao mangue, habitat natural destes crustáceos com garras afiadíssimas! Tenho trauma de infância, fui atacada por um deles e por pouco não perdi meu indicador direito. Foi neste mesmo período que desenvolvi alergia pelos caranguejos e outros bichinhos similares, acho que foi uma defesa natural.

O percurso para chegar na ilha leva em torno de uma hora, aproximadamente, de ferry boat e uma hora de carro ou transporte rodoviário. Gosto de sentar perto da janela do carro para admirar a imensidão do verde das árvores, a vegetação extensa, compostas por lindos campos, uma variedade de gramíneas e rebanhos.
Encarnação tinha vestígios do desenvolvimento, já possuía rede elétrica, porém com iluminação pública precária e escassa. O chão era batido de terra e cascalho do mar. As casas de veraneio eram mais exuberantes, arquitetura rústica e ficavam no centro da ilha, próximo aos estabelecimentos comerciais, mercearias e da praça principal, lugar preferido dos jovens para flertar e das crianças para brincar.

As casas dos nativos da ilha eram mais simples, de alvenaria, poucos cômodos e espaço físico insuficiente para moradia da numerosa família. A prefeitura da região não tinha um controle de natalidade eficaz e por isto muitas jovens iniciavam sua vida sexual cedo e, conseqüentemente, surgia a precoce maternidade, além das mães de famílias que não tinham instrução e engravidavam mesmo sem estrutura ou condições financeiras para garantir as necessidades básicas de sua prole.

A casa de minha avó poderia ser denominada de classe média, era próxima ao centro e defronte ao campinho de futebol, mais utilizado para pastagem dos animais. Tinha quatro quartos, um para cada filho e do lado de fora, tinha um quintal enorme, minha avó preferiu construir seu quarto do lado de fora, próximo as suas plantações de abóbora, tomate, melancia, banana e os enormes coqueiros.

A natureza era predominante em toda ilha, as praias se destacavam pelas águas cristalinas, a variedade de peixes, conchas e a quantidade, quase inacreditável, de “arg” crustáceos, especialmente, os mini-caranguejos, que tomavam a extensão de toda areia. Meu pai costumava dizer para não ter medo e me assegurou que, na medida em que eu andasse, os bichinhos inconvenientes iriam recuar e se enterrar nos buracos de areia. Ele estava certo, mas vá tentar explicar isto para uma criança de nove anos? Demorei alguns anos para compreendê-lo.

Com o tempo, aquela Encarnação foi parar na lembrança, em vagos flashes, causados pela maturidade, que, infelizmente, a apagou da memória. Encarnação mudou depois da popularização, acima de tudo por causa da modernidade, da chegada do telefone, que diminuiu as relações pessoais, e de tantos outros avanços tecnológicos.

O chão foi asfaltado, a construção de novas casas devastou algumas plantações, investidores trouxeram suas empresas e a mão-de-obra local foi desvalorizada, a rotina daquela nova Encarnação já não era mais a mesma e por isso não despertava mais o interesse dos seus velhos visitantes.

Monday, July 16, 2007

Jornalismo Literário - Stress no dia do casamento

Suzy Silva

Era para ser tudo tranqüilo naquele dia. Mas, a ansiedade, o nervosismo e a irritação tomaram conta de Clara, que ainda estava com o vestido para ajustar e experimentar no dia do casamento da sua irmã. Era um ajuste simples, nada que realmente justificasse uma prova. Sua prima Paula trouxe o vestido para experimentar no dia do casamento. Quando Clara experimentou quase teve um treco. Estava simplesmente enorme, sambando no corpo. Sobrando pra todo lado. Fechava o vestido, amarrava pra cá, amarrava pra lá e sobrava pano pra tudo que é parte. Nas costas dava para colocar uma mão inteira entre o vestido e as costas. Clara não sabia o que aprontaram com seu vestido, parecia ser de outra pessoa. Não tinha jeito, ia ter que ir com ele mesmo, mas só de pensar ficava mais irritada.

Saíram as duas, Clara e Paula, para o cabeleireiro, marcado com antecedência. Todo mundo do salão estava sabendo da situação que, além de ser irmã da noiva, era também madrinha e tinha que estar na igreja às 7h30 da noite, porque o casamento começava às 8h. Tinha que fazer o cabelo, maquiagem, pé e mão. Nada de muito complicado, certo? Errado! O tempo foi passando e a coisa demorando. Clara foi ficando estressada. Só conseguiu sair do salão às 6h30, horário de pico de trânsito.

Do salão, ela ainda tinha que ir para casa, tomar banho, se vestir, enfim, terminar de se arrumar e ir para a igreja que não era perto de onde ela estava. Clara já estava bem nervosa, sabendo que o trânsito estaria péssimo e já estava pra lá de atrasada para o casamento da sua própria irmã. Clara levou uma hora para chegar à igreja, tremendo, chorando, nervosíssima e ainda por cima com o bendito vestido sambando no corpo. Não acreditava no que estava acontecendo. Xingou o cabeleireiro até não poder mais por ter feito demorar tanto. Levou uns bons 10 minutos para Clara se acalmar.

Depois da cerimônia, veio a festa. A partir daí deu tudo certo. Brinde, discurso, valsa, vídeos sobre a história dos noivos e tudo mais. Na festa distribuíram várias lembrancinhas para os convidados, óculos, pisca-pisca, enfim. Do meio da festa para o fim era uma festa à fantasia. Clara estava divertidíssima e emocionada e nem parecia aquela garota estressada para o casamento de sua irmã.

Jornalismo Literário - Luta diária

Renata Leite

Há um único inconveniente de morar em Candeias. Como não tenho carro, aliás, nem sei dirigir, tenho que pegar o humilhante. De 15 em 15 minutos sai um VSA da rodoviária com destino a Salvador. Para eu chegar antes das 9 horas na Tribuna da Bahia, para mais um dia de trabalho, tenho três opções legais: 7h, 7h15, 7h30. Antes ou depois disso não dá certo, ou eu chego muito cedo ou atrasada demais no jornal. Esses são os horários mais concorridos, nunca vi tanta gente.

Às vezes forma fila em formato caracol. Quem chega cedo para o próximo horário se dá bem, tem o assento garantido e tem maiores chances de sentar no lado direito do ônibus onde não pega sol. Os retardatários ou enfrentam aquele buzú que já está estacionando na garagem da rodoviária ou espera o próximo. Eu sempre chego atrasada para o horário de 7h30. É incrível! Além de já estar com todos os bancos ocupados tenho que disputar um espaçozinho no corredor.

- Moço deixa eu passar?

- Pois não querida!, disse um senhor de cabelo grisalho, olhos cor de mel e de fisionomia alegre de quem dormiu bem.

- Que homem gentil, pensei.

É muito chato ter que viajar os sessenta minutos de Candeias a Salvador em pé. Meus truques nunca funcionam. Faço cara de cansada, doente, deprimida, com dores na perna, no pé, mas de nada adianta. Os homens que deveriam se comportar como cavalheiros e ceder o lugar para mim viram é a cara. Revoltada, também viro o rosto, só que para o outro lado.

- Nossa meu Deus, que homem fedido!, falei baixinho apenas para os meus ouvidos.

Não conseguia encarar a idéia de que teria que enfrentá-lo naquela manhã. Eu que estava tão cheirosinha e ele, aquele homem grande, branco, barba por fazer e com o macacão sujo de graxa. A minha esperança é que ele descesse antes de mim, quem sabe em Menino Jesus, na Brasilgás ou no Retiro?? Enquanto ele não descia tive que suportar o cheiro de cachaça que exalava no suor, o fedor de catinga típico de quem não vê o sabonete e o chuveiro há dias e ainda tendo que me esquivar para não sujar a minha roupa na dele, que tentava o tempo todo roçar o seu corpo no meu.

- Moço por favor, dá para o senhor chegar um pouquinho para lá de forma que eu possa estirar a minha perna?. Eu tentava ser educada. Eu sabia que era impossível me livrar dele com o ônibus lotado. O mínimo que o senhorzinho mal cheiroso fez foi puxar o pé.

- Coloque aqui ô, sugeriu.

- Deixe para lá.

Eu, que queria me livrar dele de qualquer jeito, quebrei a cara. Muito saliente, o homem catinguento, ao se mover se encostou mais ainda ao meu corpo, me deixando mais estressada.

- Moço por obséquio, tem como o senhor chegar um pouquinho para o lado porque meu braço não aquenta mais esta posição? - pedi já engrossando.

O homem deu espaço para eu estirar meu braço, mas como da outra vez foi pior. Meu nariz ficou bem abaixo do seu braço cabeludo e molhado de suor, que escorria sem parar. De repente aguço os meus ouvidos, em meio a conversaria das mulheres que falavam das suas experiências dentro de casa com os seus respectivos maridos e dos homens comentando a vitória de 4 x 0 do Brasil contra o Chile, para tentar escutar aquela voz que soava antes da catraca. O tom firme e forte me dava a certeza que era de gente grande e estava ali pedindo dinheiro.

- Desculpa interromper a viagem de todos vocês, mas é pela necessidade que estou aqui pessoal. Estou na cidade para um tratamento médico. Tenho problemas na cabeça e por isso não posso trabalhar. Não tenho vergonha de pedir. Vergonha é por as mãos nas coisas dos outros e isso eu não faço. Gente 50 centavos serve, 5 e até mesmo 1 centavo. Qualquer moedinha é ajuda pessoal. Eu não posso ir até vocês...

Não precisei me atentar até o final para saber de quem se tratava. O cidadão era o de sempre: estatura baixa, olhos verdes e de cavanhaque e, talvez, porque sei lá eu se ele realmente fala a verdade, sofredor de um derrame. Era mais um a importunar a minha viagem. Acredito que ele entrou assim que um garoto, com mais ou menos seus 16 anos, desceu do ônibus quando ainda estávamos na Br -324 após comercializar seus doces e salgadinhos.

Entre uma pessoa e outra que estava em pé eu tentava me localizar através da janela do ônibus. Quando percebi já estava chegando na Sete Portas, onde iria descer. Mais uma viagem para testar a minha paciência e resistência.

Jornalismo Literário - Mil e uma devoções

Renata Leite

Maria de Lourdes, no auge de seus 76 anos, leva uma vida que pediu a Deus. Preocupações não têm. Os quatro filhos estão todos criados, e muito bem criados. Sua rotina é tranqüila, pode até parecer monótona e desinteressante, mas não é. Os horários costumam ser sempre os mesmos: para acordar, cuidar da higiene pessoal, fazer as refeições... Sua residência, em Brotas, é aconchegante e diferente para alguns. Longe da idéia de ser o local para passar o resto da vida somente para aqueles que não têm família ou é esquecido pelos parentes mais próximos, dona Lourdes optou por morar em uma casa para idosos. Uma opção de moradia agradável.

Dona Lourdes ficou viúva. Duas décadas e meia sem o seu grande companheiro e amigo. Oh! seu amor, seu primeiro e único amor. E o dia do seu casamento, que lindo ele estava. A igreja estava belíssima. Os convidados a parabenizando, jogando grãos de arroz para desejar boa sorte. Tradição antiga. Hoje não se vê mais isso, talvez pétalas de rosas. É só entrar na capela do asilo que reside e as lembranças daquele dia, ela toda de branco, véu e grinalda, vêm à mente.

Infelizmente seu grande amor não está mais ao seu lado e só as lembranças dos momentos felizes a fazem senti-lo sempre por perto. Quando Antônio faleceu, ela mudou-se para o abrigo Casa Mont'Alverne.

Mãe de quatro filhos. Todos foram bem criados. Seus herdeiros não concordam que ela more no abrigo. Ela não quer incomodá-los, pois sabe que um velho dentro de casa sempre é um estorvo. Na vida deles ela não palpita, então eles não devem dar palpites na dela.

Modernidades não são com ela. Gosta mesmo do seu bom e velho rádio que ganhou no Baú da Felicidade do Silvio Santos. Silvio Santos. Quantas Telesenas ela já comprou, se contenta com o radinho. Recostada na poltrona da vovó escuta as notícias e ouve música. Sempre bem informada. Telefone para fazer algumas fofocas com vizinhas antigas,ou falar com os filhos. Celular. Modernidade. Presente dos filhos. Fazer o que, não é? Não jogou fora, mas sempre o esquece na mesinha de cabeceira. Principalmente quando vai ao salão.

Vaidosa, ela não dispensa um esmalte vermelho nas unhas e o cabelo grisalho tem que sempre estar escovado. Avó de 10 netos e dois bisnetos, dona Lourdes se diz feliz e realizada com a vida e o local em que mora. A Casa Mont'Alverne existe há 40 anos e pertence à Ordem Terceira de São Francisco. Lá moram quarenta idosas distribuídas em quartos do tipo apartamentos. Em cada um deles possui além dos móveis comuns para um quarto como cama, guarda - roupa e televisão, mesa com cadeiras, geladeira e sofá. A mais velha das senhoras é Ainá de Figueiredo Caldas, com 102 anos, completados em 22 de março.

A liberdade na casa é total. Faz o que quer. Pode ir à rua, à missa e para casa dos filhos a qualquer hora, mas só tem uma coisa: deve avisar caso retorne mais tarde. É uma questão mesmo de satisfação, para as colegas não ficarem preocupadas. Católica de carteirinha, Dona Lourdes não dispensa ir à igreja quando há celebrações festivas. Se é de algum santo da sua devoção, ela está lá.

No seu cantinho, como costuma se referir ao quarto de número 16, ela coleciona cachorros em gesso e várias imagens de santos, para todas as devoções: Santa Rita, São Francisco, São Pedro, São João, Santo Antônio, Nossa Senhora de Fátima, do Carmo, Mãe Rainha, e tantas outras.

Este ano ganhou de presente uma viagem para São Paulo. Visita do Papa ao Brasil. Nunca pensou em vê-lo de perto. E lá foi ela. De avião, sua primeira viagem. Quanta emoção. Se despediu de suas coisinhas em seu quartinho na Casa Mont'Alverne e foi conhecer o papa Bento XVI. De longe, espremida no meio da multidão, dona Lourdes tentava dar um adeusinho ao papa. Muitas lágrimas rolaram. É um santo. Presente de Deus. Experiência boa aquela.

O retorno a Salvador coincidiu com um domingo. Dia de almoçar com os filhos e netos. Ir para casa deles é sempre uma diversão. No aeroporto todos lhe esperavam. Faltava pouco para o meio-dia. O barrigão de nove meses de Beatriz, a neta mais velha, impressionou. Muito grande. Vai parir a qualquer momento. E não é que estava certa? Lourdes estava a postos para digerir o bobó de camarão, o prato predileto, quando a bolsa rompeu. É muita emoção. Conhecer o papa, andar de avião, ver os filhos...O coração não aguenta!

O almoço já era. O delicioso e saboroso bobó de camarão fica para próxima. Corre, corre, corre...O que fazer? Agir. Não há tempo para pensar. Poderia fazer como antigamente, na casa mesmo. Beatriz, fresca do jeito que é, não aceita. O destino é o Hospital Jorge Valente. No pensamento de Dona Lourdes, o obstetra estaria almoçando com a família naquela hora de domingo. Dito e certo. O rumo foi seguir para outro hospital: a Sagrada Família, onde o único obstetra plantonista estava realizando outro parto.

Beatriz não suportava as dores de parir. Faltava pouco para a criança nascer. Quanto desespero! A neta de dona Lourdes se acomoda em uma cama de um dos quartos do hospital. De frente para a imagem do Sagrado Coração de Jesus, fixado na parede, dona Lourdes e mais duas enfermeiras fizeram o parto de Maria Esperança, sua bisneta.

Sunday, July 15, 2007

Jornalismo literário - A morte do presidente de João

Marvin Kennedy

Cabisbaixo e com a mão alisando o calvanhaque grisalho que acabara de fazer, João Raimundo ainda sofria com a ressonância dos tiros e dos gritos envoltos em lágrimas que ouvira naquela manhã, antes de sair para o trabalho. A paisagem da janela fosca da topic branca de linhas verdes duplas corria distante do pensamento de João que, mudo, ainda não acreditava no que havia acontecido na rua onde mora.

A porta de vidro e alumínio se abriu e um bafo de ar-condicionado mofado desliga João Raimundo dos pensamentos que o aprisionaram durante todo o trajeto de Itapuã até o Centro de Lauro de Freitas. Como um fantasma, ele transpõe as portas e divisórias cinza e bege de maçanetas roliças confeccionadas em aço frio. Eu, ao ouvir o trinco da porta encardida, esperava o tradicional boa tarde, acompanhado do longo sorriso de dentes marcados pelo tártaro marron de João, que, com os olhos mais arregalados do que o normal e suor escorrendo entre a careca e a testa negra, disse:

- Derrubaram um amigo meu lá na Guararapes. Deram um monte de tiro e ainda jogaram ele no porta-mala de um carro. Derrubaram meu presidente. Estive com ele no sábado e agora os "cara" vão e derrubam ele.

Parei de escrever a sugestão de pauta que deveria enviar para os jornais e dei mais atenção a João, fotógrafo da assessoria em que trabalho. Ele tem mais de dez anos de fotojornalismo, mas ainda se espanta com a morte de uma pessoa. Ainda bem.

- E aí John?! Tô com o documento da última reunião que fizemos para você assinar - falou mansamente o presidente do Grupo Ecológico Nativos de Itapuã, Antônio Conceição Reis, para João.

- De boa! Segunda-feira eu passo lá e assino - respondeu João Raimundo ainda sobre o efeito do conhaque que costuma tomar nos seus finais de semana de folga. Não sabia ele que não voltaria a ver seu "presidente".

Apesar de dois aparelhos de ar-condicionado ligados, outras gotas de suor insistem em passear pela careca de João, que cortou a onda das gotinhas com um pedaço de papel higiênico. Sentado na cadeira de estofado azul royal e de rodinhas pretas, ele me pediu que ligasse a tv da sala de clipagem.

- A antena quebrou. Vamos assistir aos jornais na tv da recepção - disse a João.

- Coloca no 11 - pediu.

Desta vez João sentou e recostou-se no trio de cadeiras, também de estofado azul royal, da sala de espera da Prefeitura. Esticou sua calça jeans preta, folgou sua blusa branca de botão de manga curta e parou para assistir a notícia.

- Antônio Conceição Reis, de 44 anos, conhecido como Antônio Come Lenha, estava na porta da casa dele, no bairro de Itapuã, quando quatro homens chegaram e dispararam vários tiros contra ele - informou o âncora, de forma bastante objetiva, obedecendo aos manuais de redação, como um cão obedece ao seu adestrador.

Antônio Come lenha, o presidente do grupo que João também faz parte, foi assassinado e sequestrado em frente à sua residência, de nº14, na Guararapes, uma rua estreita e com marcas das obras de saneamento autônomas dos moradores do bairro de Itapuã. Tiros de calibre 38, de ponta grossa, causam impacto e dilaceram a carne, enquanto os projéteis da ponto 40 atravessam órgãos, ossos e músculos. Juntas, as balas deram fim à uma história de luta pela preservação do Parque Ecológico do Abaeté.

- Joga esse fila da puta na mala que a gente vai tocar fogo nesse sacana metido à besta - disse um dos homens armados e com o burucutú que só lhe deixava os olhos à mostra.

O Ecosport prata com placa fria segue em direção à Camaçari.

- Pelo pedágio não porra. Vira à esquerda no retorno e pega a direita logo em seguida.

O trajeto escolhido pelos assassinos passa pelas localidades de Cajazeira de Abrantes e Cordoaria, de ruas de barro com matas e brejos fechados, só frequentados por caçadores de tatú e paca e motociclistas de trilha em alguns finais de semana. A escolha do local e do carro, alto e com boa performance para enfrentar as "costelas de vaca" da pista, foram muito bem pensadas.

-Aqui tá bom porra! Um lugar bom para este cara ficar. Adianta aí e vamos nessa.

As primeiras chamas começam na entrada de uma reserva ecológica na Sucupira de Abrantes e com a fumaça, que carrega um cheiro misto de combustível, aço, plástico e carne queimada, vai se esvaindo junto com o pó que se transformara o corpo do presidente de João.

Com o vento, o pó espalha-se entre o verde da Mata Atlântica de segunda geração da reserva. O sangue lavado da calçada da Rua Guararapes escoa pelos tubos da drenagem artesanal (quem sabe feita pelo próprio Antônio) até chegar num ponto de lançamento na bacia hidrográfica do Abaeté. De toda forma, sangue, pó e alma de Antônio Conceição, o presidente, ainda residem no local pelo qual ele tanto lutou e morreu: a natureza, em especial as águas escuras e densas da Lagoa do Abaeté.

Saturday, July 14, 2007

Jornalismo Literário - Frio, suor e fogueira

Aline D'Eça

O ônibus parou na rodoviária naquela cidade onde ele nunca estivera antes. O frio que ele sentia não sabia ao certo se era uma conseqüência climática ou se vinha de dentro da sua barriga. Estava ali para conhecer pessoas que ele nunca teve contato. O objetivo era muito importante. Estava ali para ser julgado, avaliado, comentado, aprovado ou reprovado, mas a decisão tinha sido sua. Se tudo desse errado, a primeira coisa que pensaria era em fugir. Mas como fugir se não conhecia uma rua sequer daquela cidadezinha?! O consolo é que estava há apenas duas horas de Salvador. Não... agora não há mais volta, não podia vacilar e mostrar-se fraco. Aí sim, estaria tudo perdido.

O motorista, um senhor negro, baixinho e careca, aparentando uns cinqüenta anos e trajado em um uniforme de tons azuis, com uma gravata vermelha fajuta e mal arrumada, abre a porta do veículo e grita:

- Rodoviária de Nazaré! Apenas cinco minutos de parada. Passageiros que forem descer aqui, favor entregar o bilhete.

O recado era pra ele. Não há como fugir, tem que descer. Por que diabos ela resolveu lhe apresentar aos pais ali? Não podia ser em Salvador? Insistiu várias vezes em conhecer o pai da sua garota, mas não sabe porque ela sempre hesitava. Chegou até ficar desconfiado. Ou eles são brabos ou eu que não presto pra ela. Será que ela tem vergonha de mim? Claro que era um rapaz sério e queria compromisso... sim queria compromisso e todas essas babaquices que só um homem apaixonado pode fazer. Não aceitava mais viver na clandestinidade de um namoro escondido.

Conhecer os pais é realmente algo careta, mas não para ele. Estava apaixonado. Já se passaram três meses de namoro e continua se sentido escondido, como garoto que pula o muro do vizinho para roubar uma goiaba. Mas ele nunca foi um homem de roubar goiabas! Como filho mais velho, tinha que dar o exemplo... sua mãe sempre cobrava isso. Era preferível bater na porta do vizinho carrancudo e, na cara-de-pau, pedir pra arrancar aquela goiaba madura do pé antes que os passarinhos a comam antes dele. O máximo que podia acontecer era o cara bater a porta na sua cara e ele ter que se conformar em perder para os passarinhos.

As condições do encontro foram estabelecidas por ela. Que poder é esse de uma mulher oito anos mais nova dominar um homem? Agora, sem carro e sem rumo na cidade desconhecida, tinha que esperar ela chegar com a mãe para buscá-lo. Meu Deus! Ela já vinha com a mãe! Mas pelo menos já havia sido apresentado a ela por telefone. Será que isso é válido? É... deve ser... Pior é o pai. Meu Deus, o pai, o irmão, a irmã mais velha, os tios com quem ela mora em Salvador, outros tantos tios e tias e primos e primas e amigos e amigas e o cachorro. Ufa! Se tivesse que sofrer alguma humilhação, tinha um público imenso para ver prestigiar o seu vexame... E ainda por cima as fogueiras, os fogos de artifício, as pessoas cheias de licor... E se a sobrinha dela jogar alguma bombinha nele, tinha que agüentar e ainda dar risada. Que bonitinha...

As mãos estavam suadas e nervosas, por isso Sandro as enxugava vez ou outra na calça jeans escura. Estava suando, mas o clima frio da cidade estava a seu favor. Não daria pinta. Preocupava-se apenas com as mãos. Elas deveriam estar secas e seguras na hora do aperto de mão. E os olhos? Olhar de homem, rapaz!!!... convicto!

Sandro é tímido, extremamente tímido, mas simpático e doce, deixando transparecer essas características através do olhar. Tem 32 anos, mas não é formado, pois o pai morreu cedo, quando ele deixava a adolescência, e teve que “ir pra lida” logo após concluir o segundo grau, por isso não prestou vestibular. Hoje é coordenador de garçons em um chique restaurante de Salvador. Não possui cabelos, por opção, prefere raspar. Não é alto, nem baixo: 1,70m de altura. Não é gordo, nem magro. Malha, mas só consegue definir um pouco os músculos dos braços e das pernas, nunca os da barriga.

Um gol cinza prateado chegou na frente daquela velha rodoviária com duas mulheres dentro. Era ela, a sua deusa Isis, e a mãe dela, dona Benedita. Benedita não, porque ela não gosta, rapaz!!! Bené... apenas dona Bené.

Sua namorada (ou seria ainda apenas pretendente?) desce do carro, lhe beija no rosto e o puxa até o carro. Isis é uma bela morena de traços egípcios como seu nome, uma Cleópatra sem olhos verdes... Ai, ai, o amor o torna exagerado mesmo... assim... “exagerado, jogado aos seus pés”... Mas nada de babar diante da sogra. E se ela pensasse que ele é um tarado? É melhor entrar no carro com cuidado.

- Olá, meu filho! Então é você que é o Sandro. Até que enfim, hein? – exclamou dona Bené, uma senhora de cinqüenta e poucos, morena clara, cabelos lisos curtos e com um rosto iluminado por um belo sorriso.

- É... e olha que fui eu quem vinha cobrando de Isis essa oportunidade. Até que enfim mesmo – Sandro apressou-se em se explicar, não queria parecer enrolado – Muito prazer. Isis sempre fala da senhora – Que frase ridícula!!!, imaginou, mas não tava em condições de improvisar.

- Vamos logo mainha, antes que ele fique com medo e desista de conhecer meu pai e meu tio. E não fale que o povo tá esperando ele com aquele facão na mão... – brincou Isis, provocando uma gargalhada na mãe e um sorriso amarelo na cara de Sandro.

Isis é brincalhona mesmo, mas isso é brincadeira que se faça?!

Em menos de sete minutos o carro pára em frente a uma casa amarela com três janelas de alumínio e vidro protegidas por grades pretas e um grande portão de grades igualmente pretas onde ficava uma garagem.

- Chegamos! - anunciou sua sogra-motorista.

Logo escutou que uma música de Luís Gonzaga vinha de dentro da casa. Estavam em clima de São João. E que isso seja um bom sinal... Foi entrando atrás de Isis, que o puxava pela mão. Após os portões, logo atrás de uma porta de madeira à sua direita, estava a armadilha, digo, a surpresa: numa sala sentados no sofá concentrados na televisão estavam três homens; um senhor de cabelos grisalhos, outro careca e o um rapaz alto.

- Geeeennnte, esse é Sandro! – gritou a sua namorada-pretendente.

Um calafrio subiu da barriga até a garganta do rapaz. Aqueles três homens viraram-se repentinamente. Ele era agora o alvo, digo, o centro das atenções.

- Boa tarde – foi tudo que conseguiu falar.

O senhor de cabelos grisalhos, de rosto marcante, oval, nariz volumoso e olhar decisivo, que estava sentado em uma poltrona amarela, aparentemente confortável, com as pernas estiradas para frente, agora estava em pé, na sua frente, estendendo-lhe a mão direita.

- Prazer, sou Demétrio, o pai de Isis. Tudo bem?

A voz parecia calma e educada, mas era ele: o pai. Sandro estendeu a mão e saudou o senhor, apertando-a com segurança, embora parecesse um pudim mole por dentro... Preocupava-se se apertava a mão daquele senhor na medida certa, para não parecer nem fraco e nem grosseiro.

- Muito prazer, seu Demétrio. Ouvir muito falar do senhor – a mesma frase novamente! Putz..., pensou e continuou - ... muito bem, ela fala muito bem do senhor.

- Que bom! – respondeu o pai da moça - seja bem vindo.

UUUfffffffffaaaa... suspirou Sandro, mas nem deu tempo relaxar, pois as apresentações continuavam.

- Esse aí é meu tio. Deste sim você tem que ter medo. É ele que é o cabra da peste e que estava te esperando com o facão escondido atrás do sofá. Com ele que você tem que se preocupar. Titino é muito ciumento – alertou Isis, apontando para o tio careca que ria...

- É mentira dela rapaz! Mas tem que cuidar bem da minha sobrinha mesmo, viu? – respondeu o velho senhor, apertando sua mão. O aperto e o balançar da mão foi realmente mais incisivo que o do pai da moça. Ficou sem graça.

Já o rapaz alto, aquele sabia quem era: Lucas, o irmão caçula da jovem. Este foi o mais simpático de todos e o abraçou de lado dando dois tapinhas nas costas:

- Minha irmã é gaiata mesmo, não acredite em tudo que ela diz - tranquilizou o rapaz.

Depois das apresentações iniciais, alívio. Isis o puxou até uma salinha com computador, onde uma jovem branca, alta e magra de cabelos negros estava entretida.

- Aline, este é Sandro – exclamou Isis – Ele fugiu da sala com medo de Titino - completou, gargalhando.

- Oi Sandro, até que enfim – levantou a jovem, dando dois beijinhos nele, de um lado e do outro da face – Não acredite em tudo que Isis diz.

- É, eu sei, acabei de ouvir isso...

E depois da cunhada, um a um, Sandro foi sendo apresentado a cada tio, tia, primo, prima, sobrinha, empregada, vizinhos, cachorro, e todo mundo que estava naquela ampla casa para o almoço de família.

Depois de um licor e outro - não muitos, para não dar nenhum mole e acabar dentro da fogueira - Sandro estava mais relaxado. Sua preocupação agora era se entalar ou tossir ou dar qualquer outro tipo de vexame na hora do almoço... Alguns minutos depois, estava ali... Na ampla mesa de 12 cadeiras, o colocaram pra sentar justamente ali, na segunda cadeira à esquerda do sogro, que tomou assento na cabeceira. À sua frente, um imenso pernil de porco e uma faca elétrica. Apesar da simpatia que todos - menos o cachorro - demonstraram com ele, melhor ter cuidado, pois era minoria. Qualquer coisa ou ele perdia o dedo, ou algo pior...

Jornalismo Literário - Ele incomodava muita gente...

Aline D’Eça

Em quê pode resultar quem, na Bahia, ousa em enfrentar o peso da tradição de 50 anos de festas de reveillon e carnaval e consegue impedir que elas sejam realizadas porque degradam o meio ambiente? Alguém que promove o fim da pesca em uma lagoa tradicional porque a atividade traz danos à natureza; que presta queixa contra a ação truculenta de policiais; que é pobre; negro mora em um bairro marcado pela violência e insegurança? Vários tiros na cabeça a poucos metros de casa e o corpo incendiado deixado, estrategicamente (ou por um acaso tão irônico que fica difícil pensar em coincidência), em uma reserva ambiental. Este foi o fim de Antônio Conceição Reis, 44 anos, quase 20 deles dedicados às questões ambientais principalmente na região da Lagoa do Abaeté, em Itapuã.

Evangélico, o ambientalista e presidente da ONG Nativos de Itapuã, que além de negro possuía corpo magro e cabeça raspada, um tipo comum na região, acabara de deixar a filha paraplégica, de 16 anos, e retornava para casa possivelmente despreocupado, a passos lentos, como em manhãs parecidas àquela, desta vez nublada, naquela segunda-feira, 9 de julho de 2007. Entretanto, as ameaças dos últimos meses fez-se concretizar quando foi surpreendido por homens encapuzados em frente à garagem da residência de número 14, a poucos metros da sua, na Rua Guararapes – um local aparentemente pobre, com casas de poucas cores, a maioria em tons nublados, cor de cimento. O cinza do asfalto mal batido que reveste a rua, no entanto, logo foi manchado pelo vermelho do sangue do ambientalista que quedou no chão após receber alguns tiros na cabeça. Os assassinos, que desferiram mais tiros contra Antônio no chão, estavam em um Ford Ecoesport cor prata. O automóvel, onde o corpo do ambientalista foi colocado no porta-malas, partiu em disparada do local com os bandidos, deixando a vizinhança aterrorizada...

Alguns moradores, que presenciaram a cena, correram para comunicar o fato à Central Única de Telecomunicações da Polícia (Centel), que então acionou o plantão da 12ª Delegacia de Polícia de Itapuã.

No local do crime, além de curiosos, os agentes encontraram no asfalto parte da massa encefálica e dentes de Antônio, além de 14 cápsulas de pistolas 380 e 40, de uso exclusivo das polícias.

Algumas horas depois, enquanto a esposa da vítima, Eliene Sampaio Reis, uma senhora de quarenta e poucos anos, afrodescendente clara e gordinha, cabelos castanho claros crespo-alisados mal penteados na altura da nuca, de olhos castanhos, por detrás dos óculos, amedrontados, contava com a voz resignada e não muito surpresa à delegada Francineide Moura que o marido vinha sendo alvo de ameaças de morte e ligações anônimas, uma equipe de policiais encontrou, em uma reserva ambiental próxima ao Recanto Ecológico Sucupira, em Camaçari, um carro de placa JQS-9300, mas que ostentava a placa clonada JPQ-3292, com as mesmas características daquele em que o ambientalista foi levado. O veículo estava completamente destruído pelo fogo e com um corpo carbonizado dentro dele. Todos os indícios levam a crer de que seja o de Antônio Reis.

Revoltados, amigos e familiares desconfiam que o crime tenha sido motivado pela ação do ambientalista, mais conhecido na região como "Antônio Nativo", em defesa da Lagoa do Abaeté, um cartão postal da capital baiana, marcado por muito verde, banhado por uma lagoa de água escura, em contraste com as belas formações alvas de areia, mas que há algum tempo vem deixando de ser recomendado aos turistas por questão de ..... segurança.

A morte de Antônio, como insistem ambientalistas e líderes comunitários, foi conveniente para muitos. Comerciantes bastante prejudicados pelo fim das festas na região. Policiais que temiam ser desmascarados pelo ambientalista, que denunciou uma ação truculenta da Polícia no combate ao tráfico no local em fevereiro, quando invadiram a sua casa... Hipóteses a serem investigadas com cuidado. A única certeza é que alguém que incomodava muita gente agora está morto.

Ainda assustados, os moradores da pobre rua de Itapuã, que serviu de palco para o crime, tentam tirar do asfalto a mancha vermelha que ficou marcada no chão. Mas mesmo com toda água e sabão utilizada por eles, aquela cor, aquele crime, jamais sairá das suas mentes... Ficará para sempre o medo: o medo de tentar fazer justiça e ter o mesmo fim do velho "Nativo".

Jornalismo Literário - Universitário no buzu

Pablo Reis

Salvador Card sem crédito é o caralho. A prova é uma incógnita. Errare Human Est. Nada do que foi será... E que venha a desgraça do povo. Use Rider. Assista televisão e dê férias aos seus neurônios. Use Rider. Dê férias. Fim de semestre. Cabeça, tronco e membros. Membros, membro, grupo, grupos, tudo. Univer city. Nada, talvez. Tinha crédito sim, nessa porra. Bora Baêêêa. Um simbolismo muito forte: um guri. Menino de rua. Filho da rua. Dono da rua. No meio do ônibus. Meio-dia. Mau humor à flor da pele. Fome. Almoço à espera, menos do guri. O guri está cansado, e, principalmente, de tudo. O guri pede esmola. Coloca moedas na boca. Dinheiro compra comida. Dinheiro mata a fome. Um simbolismo muito grande.

A prova tava foda. Prova. Perguntas, perguntas. Respostas, nem tanto. Ainda olha pra trás e pensa. Ainda pensa e olha pra trás. Porra de ficar tirando onda por causa do cartão. É só tirar o dinheiro da carteira e pagar. Tem nada que dizer para andar mais rápido porque tem gente esperando. Por isso que é um fudido, fã de Zé Bim, vai pedir uma cesta básica naquele programa de merda, de gente pobre.

E ele ali gastando os músculos do tríceps feitos a aminoácidos e uma mensalidade de 160 reais no roçar com as carnes flácidas da gorda que nem é empregada doméstica e nem é baiana de acarajé. Nem deve ser gente, essa trouxa de bosta, que peida e quando sua libera uma murrinha pegajosa por baixo do braço. Segundo semestre de Direito na Ucsal, filho de dona de loja no shopping e advogado de construtora, separados recentemente. Só agora se deram conta que não se suportavam nem no namoro. Irmão de ex-miss do Yacht Club, reduzido a mais um fudido no buzú também.

Ainda pensa que pensa. Vem a prova e pau: “Você é burro”. Não vai ser nem oito. Quem dera fosse dez. Tomara que dê prá passar. Vai tomar no cu, você, cobrador, filha da puta, tomando corno agora, fudido. Se for assaltado, que levem até os trocados que eu iria comprar o cachorro quente. Os outros vagabundos fudidos e na merda como ele. E depois ainda são obrigados a dizer que a casa caiu.

Friday, July 13, 2007

Jornalismo Literário - Crime ambiental

Fábio Guerra

O dia 9 de julho de 2007 era para ser como outro qualquer, em Itapuã, em Salvador. Raios de sol ainda tímidos começavam a iluminar as casas do bairro, depois de um despertar matinal um tanto chuvoso como é comum no inverno. Mas em pouco tempo o astro-rei brilharia forte entre as nuvens anunciando mais um dia ensolarado na capital baiana.

Por volta das 7h30 daquela manhã, o ambientalista Antonio Conceição Reis, 44 anos, retornava à sua casa após deixar a filha de 16 anos na escola. Nas ruas, os moradores aos poucos começavam a ocupar as calçadas em direção aos seus locais de trabalho, saindo de suas casas tão encostadas umas nas outras que, só não pareciam um único imóvel, graças às diferentes cores nas fachadas, portões e muros.

Antonio era um típico homem do povo. Negro, alto, com um olhar que oscilava entre a vontade de lutar pelos seus ideais e o desgaste de tantas batalhas. Era presidente do grupo Nativos de Itapuã e sua casa tinha uma fachada branca, já encardida pela sujeira, com porta e janela na frente pintadas com tonalidade goiaba.

Antes de chegar ao portão de casa, Antonio foi abordado por quatro homens que desceram de um carro estacionado na rua e fizeram uma série de disparos contra o ambientalista. Seu corpo, caído e agonizante, foi arrastado pela rua e colocado no porta-malas do veículo, um Ford EcoSport prata, que saiu em alta velocidade, deixando para trás um cenário de sangue, violência e rostos apavorados.

Até este dia, Antonio realizava um trabalho de proteção ambiental na Lagoa do Abaeté, e seu esforço para a preservação do local chocava com os interesses dos comerciantes da região. Mas a lista de desafetos do ambientalista era extensa. Recentemente, ele moveu uma ação judicial contra policiais civis que invadiram sua casa e de outros moradores do bairro, de modo agressivo e violento, supostamente numa caça a traficantes de drogas.

Em função disso, a morte de Antonio não foi exatamente uma surpresa para a família. No seu depoimento à polícia, Eliane Sampaio Silva Reis, esposa do ambientalista, informou ao delegado que há mais de um ano eles vinham recebendo ameaças de morte. Na delegacia, suas feições tristes e abatidas contrastavam com uma certa resignação diante de tão anunciada tragédia.

Naquele mesmo dia, no bairro de Vila de Abrantes, em Camaçari, moradores encontraram um carro totalmente carbonizado contendo um corpo no porta-malas. Embora ainda não haja uma confirmação oficial, acredita-se que este corpo seja do ambientalista assassinado.

As investigações prosseguem...

Jornalismo Literário - Cronograma da próxima semana

Segunda - dia 16
- Discussão do texto sobre Gabriel Garcia Marquez (Jornalismo Mágico)
- Análise do Marvin, sobre livro de Gabriel
- Grupo O segredo de Joe Gould
- Grupo Hiroshima

Terça - dia 17
- Leitura e discussão de uma reportagem de José Resende Jr. (Colling vai levar impresso, mas quem quer ler os textos dele, basta ir em http://www.joserezendejr.jor.br)
- Grupo Talese - A mulher do próximo e Fama e Anonimato
- Grupo A sangue Frio
- Grupo Abusado

Quarta- dia 18
- Grupo O anjo pornográfico
- Crime e castigo
- Radical Chique
- Corações sujos
- Avaliação da disciplina

OBS: Quem não recebeu o arquivo com o texto "Jornalismo Mágico", manda um email para mim: vivian.barbosa@gmail.com

Thursday, July 12, 2007

Jornalismo Literário – Bem ali, no século antepassado...

Aline D´Eça

Nazaré é o seu nome. Escrito assim, com o acento agudo na letra E substituindo o antigo TH, de Nazareth, grafia da época em que recebeu visitantes ilustres como D. Pedro II, em novembro 1859, e, em 1919, um brilhante baiano, o jornalista-escritor-jurista Rui Barbosa. Trata-se da cidade de Nazaré “das farinhas”, localizada há apenas duas horas de Salvador: uma do tempo que se leva com o Ferry Boat para percorrer as quatro milhas marítimas até a Ilha de Itaparica, e outra que enfrentamos de BA 001 até lá. Quem tem medo de mar, também pode chegar lá partindo de Salvador via terrestre, pela BR 324 e depois BR 101, o que envolve 216 Km de estrada.

O município - serpenteado ao meio como pelo simpático Rio Jaguaripe, que nasce em São Félix, perto de Cachoeira, e desemboca na Baía de Todos os Santos ali no finzinho de Nazaré - é uma típica cidadezinha colonial do Recôncavo Baiano, com casarões antigos e muita história pra contar...

O apelido "das farinhas" veio da época da Segunda Guerra Mundial. Dizem os antigos que a cidade abastecia os navios do Exército brasileiro com a chamada "farinha de guerra" (daí o nome), que alimentava os soldados brasileiros no além-mar.

Hoje, é verdade, Nazaré tem um ar de musa-decadente, se a compararmos com o grande caldeirão cultural e comercial que foi há muitos anos atrás, quando chefes de estado, poetas, intelectuais e artistas a visitavam e quando os navios ainda atracavam ali. Não sei ao certo quando e porquê as grandes embarcações deixaram de ancorar lá nas águas do Jaguaripe, um rio hoje mais verde e cheio de pedras que marrom e caudaloso como minha avó afirmava que ele era. Dizem que foi a represa de Cachoeira, a 'Pedra do Cavalo', que fez o rio minguar... mas não posso confirmar nem desmentir essa informação.

Para ligar as duas partes da cidade, desenvolvidas em ribeiras opostas do Rio Jaguaripe, existem duas pontes principais. A primeira e mais bonita é a Ponte da Conceição, construída em meados do século 19, quel liga o bairro da Conceição ao Centro. Ela tem 20 metros de comprimento, é edificada sobre seis grandes arcos e possui, em suas laterais, balaustradas de concreto e oito pares de postes pretos de ferro, estilo clássico, de pouco mais de dois metros.

Na segunda ponte, construída no século 20, sem características glamourosas e a poucos quilômetros da primeira, uma das cabeceiras se abre, à esquerda, para o Prédio dos Arcos, construção neoclássica de um andar, que ocupa toda uma esquina e é formada por arcos em sua base inferior e mais de trinta janelas de dois metros de altura no segundo pavimento. Na outra cabeceira, a feira da cidade, repleta de boxes e barracas de madeirite, que possui um odor característico, uma mistura de cheiro de frutas e legumes a carne e cocô de cavalo.

Nazaré parece uma cidade esquecida lá no século passado. Ela não possui um edifício sequer com mais de três andares. Os mais altos são os antigos casarões construídos no centro da cidade, na margem esquerda do rio. Não há apartamentos, apenas casas.

Diz a lenda que Nazaré fica localizada numa cratera (ou buraco) fruto de um choque de um meteoro contra a Terra (!). Não sei quem inventou isso, mas parece verdade se repararmos que ela fica encrustada no meio de pequenas montanhas, onde existem pastos verdinhos verdinhos.

No alto de uma colina, na vertente esquerda da região central da cidade, fica um prédio histórico que lá de baixo lembra um castelo, branco de janelas azuis. De todos os pontos históricos da cidade, é um dos que eu mais gosto. Trata-se do Cemitério Nosso Senhor dos Aflitos, em estilo neoclássico, construído no século 19. Nada de macabro na minha escolha. Ele é realmente bonito e tem uma vista magnífica da cidade, cercada pelo Jaguaripe. Ele fica numa encosta, com uma imensa rampa (uma ladeira) de acesso, à margem da qual estão localizados mausoléus e blocos de carneiros. O castelo a que me referi é uma capela que fica na parte mais alta do cemitério, no fim da rampa, após uma escada de 12 degraus. Linda.

Nazaré têm diversos outros monumentos históricos. Passear por suas ruas de paralelepípedos, principalmente aos domingos pela tarde, quando a cidade parece dormir, é como estar dentro de uma cidadezinha romântica do século antepassado...

***

Para conhecer os outros monumentos históricos de Nazaré, acesse: http://www.victoriareghia.com.br/

Jornalismo Literário - Lição de vida (?)

Débora de Souza

Era o primeiro dia. O primeiro de muitos cansativos que ainda viriam.

O dia? Sol.

O medo? Não dar certo.

A dúvida? Se desistir, terei que recomeçar e a idade não será mais a mesma. Os que lá estão irão crescer, amadurecer... E os que desistem, correm o risco de tentar-desistir, tentar-desistir...

Acordou cedo, ligou o som na estação preferida que recorda músicas de tempos que não mais voltarão. Tomou um belíssimo banho frio para despertar o sono do dia anterior, após uma curtição com a namorada de dois anos de romance. Passou o gel azul recomendado para homens. A escolha da melhor roupa (e, é claro, a mais nova) foi fundamental. Precisava estar bem vestido para passar a primeira impressão. Pegou em cima do sofá sujo de poeira, encostado no canto direito da sala, beijou a cabeça de uma das meninas com quem morava e disse: "Tô indo!"

O nervoso só aumentava. Queria que a hora chegasse logo para acabar com todas as minhas curiosidades.

Chegou no ponto de ônibus cedo. Queria pegar o coletivo mais vazio para não chegar com as roupas amassadas na sala. Entrou no Sieiro-Aeroporto. Dentro dele, dezenas de homens, com os pés ainda sujos de cimentos do dia anterior e com aparência de pedreiro ou ajudante de pedreiro, conhecido atualmente como mestre de obras (até pedreiro recebeu nome bonito. Mas foi depois que aeromoça passou a se chamar comissária de bordo). Aquele ônibus estilo sanfonado no meio o deixava constrangido. Queria um Celta preto, rebaixado.

Após passar dois anos no cursinho, queria mostrar ao pessoal do interior da Bahia, mais precisamente da cidade de Oliveira dos Brejinhos, que estava na faculdade de jornalismo, em Salvador, e pagando a mensalidade com o esforço de estar trabalhando na loja da rede C&A. Nas cidades do interior da Bahia, notícia boa é quando o filho de fulano (aquele que só queria saber de farra) passou no vestibular.

Os primeiros dias foram ótimos: apresentação dos professores, comentários sobre as disciplinas e blábláblá. Mal imaginava ele que passaria naquele lugar os melhores e mais emocionantes momentos da sua vida acadêmica-profissional. O sorriso deve vir aos lábios quando lembrar da surpresa que as colegas fizeram na praça de alimentação da facu (assim chamam faculdade). Sequer pensou na possibilidade de contratarem um transformista para levar à facu, e fazer um show engraçadíssimo diante de todos os seus colegas. Era daquele tipo de transformista "chamativo". Em Salvador, as pessoas extravagante são comumente chamadas de "jegue na Lavagem do Bonfim". Explicar o significado da Lavagem seria, agora, cansativo.

Foi no 4º que More... Xiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii... ainda não havia citado o apelido do dito cujo... Enfim, no 4º (semestre) ele descobriu sua paixão. Calma, calma, calma!!! Não foi nenhuma namoradinha acadêmica, e sim o Radiojornalismo. More ficou fascinado por rádio. Seus olhos brilharam quando esteve pela primeira vez na rádio Globo FM, com o jornalista Jefferson Beltrão. More é do tipo de pessoa que se relaciona com muita facilidade. Mesmo irritado, consegue ser uma pessoa bacana.

Já sofreu por amor, e hoje faz sofrer quem o ama.

Conhecido pelas suas enrolações durante apresentação de trabalhos na faculdade, amigos decidiram lançar o livro "Técnicas de Embrometion". Nunca lançaram. Sequer escreveu. Talvez fosse algo tipo "A história oral", do livro O segredo de Joe Gould (More não chegou a escrever, Gould sim!).

As embromações serviram, pelo menos, para sua conclusão no curso. O trabalho desenvolvido foi um videodocumentário sobre os Filhos de Gandhi. Processo de elaboração: saiu pelas ruas de Salvador para filmar o tema do seu trabalho, durante o carnaval. Não cumpriu por falta de vontade.

Nota: 9,0.

Resultado: Aprovado com distinção.

Afinidade com o tema: zero.

Wednesday, July 11, 2007

Jornalismo Literário - Maldita mancha

Sílvia Raphaella

Depois de anos lutando por um corpo perfeito e acabar de ser chamada de gordinha na escola, a vaidosa Ana decide exibir seu corpinho esbelto cansado de tenta malhação naquele final de semana. Era manhã de sábado quando Nicole liga chamando-a para o clube. Como sua amiga era uma das mais bonitas e magrinhas da sua sala, Ana recusa seu convite e fala para sua mãe:

- Agora que tanto lutei pra desfilar com meu corpo magro, vou para o clube com outra magra? Aonde! Quero ser o destaque do clube.

Ana então decide ligar para sua amiga gordinha e elas vão para o clube. Chegando lá, a ex-gordinha e atual magrinha encontra com o menino por quem era apaixonada na época de colégio. Ele a convida para sentar ao seu lado. Ana, então, prontamente deixa sua amiga de lado e senta com seu príncipe que tanto sonhou em beijar. Suas pernas tremiam, seus lábios embranqueciam e sua vontade acumulada, de abraçá-lo e encostar sua cabeça no ombro do seu amado, parecia mais perto do que imaginava.

- E agora como reajo? - pensou aquela garota insegura que, no passado, era pouco olhada pelos colegas de sala, por ser gorda e feia perante todo o colégio.

Agora aquela gorda que virou uma garota atraente e charmosa, então decide dar uma caída na piscina, quando retira sua canga, seu príncipe então olha para ela e fala:

- Nossa Ana, tem uma mancha vermelha no seu biquíni!

Ana percebeu que era a inconveniente da sua menstruação que tinha acabado de chegar. Pronto, foi o fim do sonho de beijar seu príncipe encantado. O mundo tinha acabado naquela hora, a vergonha, o desconforto e, principalmente, a decepção de passar anos em uma academia lutando para um corpo ideal tinha acabado naquela linda tarde com uma maldita mancha no seu minúsculo biquíni. O sonho de ter aquele tão esperado encontro com seu amor platônico tinha ido por água abaixo.

Jornalismo Literário - Pai querendo ser filho

Renê Vilela

O despertador é o celular. Seu alto som acorda qualquer ser humano. Trata-se do mais novo aparelho do Sr. Antônio. Faz filmagem, tira foto, tem até mp3. Seu Antônio, apesar de não ser mais jovem, está na casa dos seus 50 anos, se amarra em tecnologia e curte muito essas coisas modernas. Não admite, mas é influência do seu filho de 18 anos, que só vive no computador e é antenado nas novidades do mundo virtual. Gustavo, seu filho, é do tipo garotão, não quer nada na vida, só quer curtir praia, ouvir mp3 e se comunicar com as gatinhas pelo MSN, é muita interatividade..

Opa! será que seu pai sabe que ele tem uma tatuagem nas costas? Se souber, o velho vai ficar uma fera, por que neste aspecto ele é ainda tradicional. Será que seu Antônio está esclerosado e por isso busca desesperadamente entender a cabeça de seu filho e automaticamente dos seus colegas que possuem um linguajar diferente? Boa pergunta! Pô velho, bombou na festa bródi! A gata está na rede! Que diabos é bombou? Na rede?

Vai chegar um momento em que o Sr. Antônio perceberá que não dá para ter dois comportamentos ao mesmo tempo. Antônio se imagina com um Ipod caríssimo no pescoço, semelhante a dos jogadores da seleção brasileira, que são visualizados pela tv, quando desembarcam do ônibus para entrarem no hotel, ouvindo as músicas mais badaladas do Rio de Janeiro, como: só as cachorras, Uh , Uh. Ou então uma axé music na voz de Ivete Sangalo: poeira, poeira, levantou poeira. É, todo esse comportamento do Sr; Antônio é normal, faz parte de uma estratégia para ficar mais próximo de seus bambinos.

Jornalismo Literário - Deus existe!

Josi Anjos

- Ah! Se eu pudesse não levantaria dessa cama hoje. Aí, meu estômago está doendo, estou morrendo de fome. Acho mesmo que vou é morrer de fome. Não tem nada para comer aqui. Pensou Esmeralda (Esmeralda, uma bela jóia. Mas que absurdo, uma mulher com nome de pedra preciosa jogada assim, ao descaso) na noite escura de uma quinta-feira de abril. Ela tentou levantar, mas não conseguiu, estava muito fraca.

É muito humilhante, uma mulher, mãe de oito filhos, avó de outros tantos, passar por privações no fim da vida. Foram 76 anos dedicados aos filhos, netos, bisnetos e agora, na fase final da vida, ficar assim, jogada no canto como uma boneca velha com quem ninguém mais quer brincar. Quanta injustiça. Chega a ser desumano.

Esmeralda levanta-se com dificuldades e vai até a mesa, também conhecida como Bela, ou velha Maroca (esse apelido é utilizado exclusivamente por dois sobrinhos-netos), fica ainda mais abatida quando percebe que não há quase nada para comer, na verdade, só lhe resta um pouco de leite em pó e meio pacote de macarrão cru. – Para completar, o gás já está para acabar e eu não tenho mais um centavo, lamentou.

– Será que sobrevivo a mais essa noite? Questionou ao próprio corpo. Toc, Toc... - Quem será, tomara que seja Binha com um pedaço de pão. Não, não deve ser, aquela infeliz da mulher dele não o deixaria vir aqui há essa hora. Na verdade, aquela miserável quer mesmo é que eu morra. Tô com fome. Toc, Toc... - Bela, Belaaaaaaa, vc está ai? Ah! É Zene, graças a Deus! – Já vou, espera um pouco que estou indo, respondeu enquanto caminhava se apoiando nas paredes do quarto e sala mal iluminado.

Chegou minha salvação, pensou ao abrir a porta e dar de cara com a sobrinha. Quem será essa mulher que está com Zene? Que vergonha, não tenho nada para oferecer a ela. Puxa! O que será que ela vai pensar de mim. Ela vai achar que eu morri e esqueci de deitar. Mas eu estou mesmo parecendo uma caveira, só que com muita pele sobre os ossos.

Meu Deus! Pensaram as visitantes quando se entreolharam após ver Esmeralda ali, apoiada na porta, só a pele e o osso. Os olhos das duas ficaram, visivelmente, úmidos, mas elas tentaram disfarçar, entraram e conversaram o mais naturalmente possível.

Vixe! Como ela está magrinha, pensou a sobrinha no mesmo instante em que se ofereceu para preparar algum alimento. Não há mais saída, não posso mais esconder a minha situação, talvez seja até bom. Na verdade tudo é melhor do que morrer de fome, é isso, não é hora de ficar envergonhada, vou confessar. De repente, lágrimas e soluços, Belinha não resistiu e caiu no choro enquanto contava as condições deploráveis em que estava vivendo, nem o remédio, necessário para controlar a pressão alta, tinha condições para comprar.

Apesar de tudo, o que deixava Esmeralda mais triste era o fato de que, no momento em que mais precisava de apoio, nenhum filho ou neto estava ali para apóiá-la. Ninguém. – Está decidido Bela, você vai lá para casa, amanhã vamos ao médico e você vai ficar comigo, pelo menos até melhorar e ganhar uns quilinhos, anunciou a sobrinha. – Deus existe! Finalmente encontrei alguém que me ama e cuide de mim. Graças a Deus. Aliás, adeus morte, vai visitar outro, a mim você não leva mais. Desista! Não vou morrer. Mas ainda estou com fome!

Jornalismo Literário - Quando o sol esfriar


Yuri Almeida

Ela queria só andar um pouco de bicicleta. Mas o pai insistiu que o sol estava quente: muitooooo quente Samantha, os raios ultravioleta são prejudiciais à saúde... é o que ele sempre diz....é, só resta esperar.

Ela procurava as bonecas? Ah! No final do balde...tirou o conjunto de panelas, miniaturas de um leão, cavalo, boi, tigre, camelo. Hum...achou a maquiagem, quando o sol esfriar e for andar de bicicleta passarei no meu rosto...continuava a procurar a boneca? Ali, mas no fundo, só restava tirar o balde de praia e a bolinha pula-pula. Pegou. Estava sem a saia, só com a blusa...toda suja. Chamou a boneca, para dar-lhe um banho...

Abri a torneira, a pia estava sem sabonete... pegou o dela! A sua saboneteira é azul, a de seu pai é um verde desbotado, ele não gosta de lavar. Fica sempre junto da filha. Em cima a de vovó Lene, não tem cor, dá para ver a tonalidade do sabonete e a na prateleira de baixo, tio Ícaro e tio Ian dividem a saboneteira amarela, sempre cheia de água. Vovó Lene sempre briga, porque o sabonete acaba mais rápido.

O seu é de criança, bem pequenininho e tem cheiro de morango. Molhou o rosto da boneca, passou o sabonete de morango, esfregava bem...voltava abrir a torneira, esfregava, esfregava, opa! Fechou a torneira para papai não brigar...abriu novamente, a água saia da torneira limpinha, enfiou a cabeça da boneca debaixo, gotas vermelhas, pretas, rosa, azul, amarelo formam um arco-íris na pia, a cara da boneca estava quase limpa...mais um pouquinho de sabonete vai resolver, shac, shac...bem forte esfregando os dedos sob a cara da boneca. Pronto. Estava limpa...

Já dissera para não colocar a sua toalha no banheiro para enxugar o rosto. Ainda mais essa do ursinho, a que ela mais gostava...Estava toda molhada, xiiii, molhou o cabelo dela também. Levou a boneca, agora limpinha para o quarto ficar com suas amiguinhas. Uma do lado da outra, Samantha fico no meio, era mãe e a boneca a sua filha... agora iria trocar de roupa..Futucou o balde... esse pedaço de pano deve serviu... Olhava atenta o sol pela janela. Finalmente o pai olhou para o relógio, olha para ela, abri a boca, os lábios se mexeram, uniram-se as letras, formaram as sílabas, ganharam tonalidade, nasceu a palavra S-O-L. Esfriou...

Você fica aqui filhinha e saiu à procura da sua maquiagem.

Jornalismo Literário - Descobrindo um sinal no peito

Najara Lima

Momento mais esperado do dia. 19h. O trabalho acaba. Passar o cartão de ponto na catraca, procurar nas profundezas do bolso um vale-transporte amassado que tinha economizado com a carona de ontem. Descer ladeira, pegar ônibus. Rangel, um moreno ligeiramente atlético de quase trinta anos, que aparenta pouco mais que vinte, esperou por alguns minutos. Mais outros. Ônibus, finalmente, às 19h30. Subiu rápido, como se sua pressa pudesse imprimir velocidade às rodas daquele ônibus branco, velho, lotado.

A distância relativamente curta da sua casa até o trabalho parecia agora infinita. A Paralela estava gigante. Mil pedaços dela se apresentavam diante dele, agoniado, apressado, quase que com taquicardia. A parada em casa seria rápida, mesmo que a contragosto. A droga da academia não poderia ser paga à toa. Exercícios durante 50 minutos, no máximo, já seriam suficientes. Barras, bicicleta, esteira. Nada de panturrilha ou coxa hoje. Rápido, rápido. Nem mesmo abdominais. Mais rápido. Desce escadas, sai na rua.

Atravessa a rua, correndo, sinal quase no vermelho. Dobra a esquina, mais dois quarteirões, rua de casa. O pedinte que ficava sempre em frente ao seu prédio estava lá novamente. Logo hoje, junto com a pressa.

- E aí, amigo, tem aquela moedinha pro café hoje?, diz o homem maltrapilho repetindo a mesma conversa de todo santo dia.

Rangel procura por algum troco que ele nem imaginava ter. Lá no fundo do bolso, a mão direita toca algo frio. Ufa, uma moeda.

- Tenho sim, toma aqui, livrando-se com destreza da situação.

Tinha arrancado distraidamente uma moeda do bolso. Era de um real, quantia que ele não dispensaria facilmente a qualquer um dos milhares de pedintes que encontrava todos os dias na rua. Mas naquele momento ele não poderia esboçar qualquer reação contrária. Abriu o portão pesado de ferro, pintado num tom de cinza sóbrio, e subiu pelas escadas. Eram só três andares, seis lances de escada, até complementariam seus poucos exercícios físicos do dia.

Entrou em casa, viu de relance seu irmão jogado no sofá e sua mãe vendo alguma coisa na TV no quarto ao lado.

- Ué, chegou tão cedo da academia..., indaga a mãe, que bem conhecia seu disciplinado filho quando o assunto era saúde.

- Tô cansadão hoje. E tenho uma coisa importante pra ver na internet, responde, com todo o jeito de quem quer encerrar de vez o diálogo que a mãe insistia em travar nos momentos mais impróprios.

- E não vai comer nada? Nem tomar banho? Essa roupa molhada de suor ainda vai deixar você gripado, continua a mãe devotada, sempre preocupada com o bem-estar do seu caçula.

- Comer eu até vou, mas banho só depois. Agora Rangel encerraria mesmo a conversa.

Entrou na cozinha ainda em seus trajes de ginástica e engoliu o complemento alimentar que substituía sua refeição noturna, técnica que utilizava para não ganhar peso. A meta era comer bem, malhar regularmente e aumentar sua massa corpórea, que se encaixava de forma perfeita ao seu corpo de pouco mais de um metro de setenta.

Nem pensou em tomar banho. A camisa suada foi jogada displicentemente em algum lugar do banheiro. Rangel jurava que outra hora arrumaria tudo aquilo. Agora, tinha algo inadiável a fazer. Entrou no quarto, uma mão tentando se livrar do tênis e da meia ensopada, a outra já pressionando o botão do estabilizador e da CPU. Até seu computador parecia ter aderido à lentidão que o acompanhou durante os últimos momentos do dia.

Finalmente. Computador ligado. O mouse procura rapidamente o ícone do Internet Explorer. Conexão lenta. Discada. O pai nunca escutara seus pedidos insistentes, quase desesperados, pela banda larga. E-mail pessoal. Gmail, amigo da lentidão. Abriu. Mais de vinte mensagens não lidas. Os olhos corriam pela tela, em busca de um item em negrito. Descartava todos os spams e correntes, todos os documentos em powerpoint. Outra coisa naquela noite lhe cairia melhor como injeção de ânimo.

E-mail encontrado. Abriu. Para facilitar, tudo no corpo do e-mail, nada de anexos que demoram pra abrir e de quando em quando infectam o computador. Seis parágrafos. Uma descrição dele mesmo, feita sob o ponto de vista de uma mulher que conhecera há pouquíssimo tempo. E que já sabia do seu sinal de nascença, localizado no peito esquerdo, bem do lado do coração. Sabia da sua família, do seu jeito de ajeitar a barba, das suas aflições. Não podia concordar com alguns detalhes do que lia, mas grande parte daquelas letrinhas em fonte Arial dizia, sem pudores, o que ele realmente era.

Ele estava ali, desnudo. Nenhuma máscara poderia ajudar a cobrir aquele menino sem casca sentado em frente ao PC. Metade embasbacado, metade feliz. Teve tempo de esboçar um sorriso, espantar uma mosca que posava na tela, ler o texto novamente. Chega dessa mistura de alegria, orgulho e não-sei-nem-o-que-dizer por hoje. Desligou o computador. Já passava das 22h. Guardou o tênis embaixo da cama, juntou a meia escura com a camisa largada no banheiro, colocou preguiçosamente no vaso de roupa suja.

Olhou feliz e cansado para a mãe, que ostentava um clássico de Dostoievski nas mãos. Ela se distraiu da sua leitura e retribuiu com o olhar terno, como de costume. O irmão já dormia no sofá. Calou a TV e ouviu o ronco do pai no quarto. Entrou no banheiro e se deu conta, pela primeira vez, como era diferente sentir a água gelada percorrer seu corpo e inundar o sinal no peito. A marca de nascença estivera ali, desde seu primeiro dia de vida. Nunca fora figura importante para ele. Citado como dono de misteriosos encantos na descrição da qual era protagonista, aquele sinal era mais que uma mancha um pouco mais escura que o tom natural de sua pele. Era agora uma arma, carta na manga, inseparável patuá.

Jornalismo Literário - Rotina de família



Adriana Alves






Andrea acorda às 6h mansamente sobre a brisa da manhã e vai desfilando sua beleza para o banho matinal. Gosta de se sentir bonita e cheirosa durante o resto do dia para dar conta das tarefas do dia. Pega a toalha de seda lentamente, quase que caindo de sono, mas se lembra que tem de estar de pé. Para acompanhar no seu magnífico e sublime banho, não esquece jamais seu estoque de cremes: para limpeza de pele, poros, adstringente, tônico facial, para combater espinhas, acnes, embora tenha uma pele limpa, sabonete líquido. Ela já nascera com esse pequeno e incômodo vício: a de passar horasss a fio no banho, se embelezando, limpa aqui, limpa dali, o ato de passar infinitos cremes causa arrepios.

Dez minutos depois, o irmão Rodrigo já está de pé. Alto, magro, tem olhos mutáveis: tem dias que estão verdes, outros castanhos bem clarinhos, ninguém sabe ao certo a cor. Assim como a irmã, tem manias. Gosta de tomar banho antes de tomar seu café matinal regado a toddynho e um pão assado na sanduicheira. Mas as horas passam, acorda mãe, pai, a sobrinha que vai ao colégio - esta já tomara antes de Andrea. Todos acordam, começam a programar seus dias, mas Andrea continua lá, no seu deleite matinal.

Esquece também que ela tem tarefas para cumprir. Teoremas, álgebras, fórmulas matemáticas, física quântica, trânsito, cansaço, o mesmo repeteco do ano anterior. Passa a maior parte do tempo agarrada aos livros e intermináveis apostilas para tentar passar no vestibular. Porém, não sabe ao certo se quer enfermagem ou psicologia. Sabe que quer seguir a carreira acadêmica e se esforça para isto. Mas o banho não termina e também não se esforça para amenizar a situação. A vontade de estar limpa é mais forte e ela não resiste. Vai dá tempo, vai dá tempo.....Tinha que estar no cursinho às 7h15 da amanhã e ela jura que dá tempo.

-pápápápá!!!!!!!-bate o irmão com toda força na porta. Vai demorarrrrrrrr ainda ôuu!!!!! Tenho que ir por trabalhooooooooooooo powwwwwww!!!!, grita Rodrigo, o irmão mais velho, aquele que acordara dez minutos depois e lutava para conseguir tirá-la de lá.

Andrea faz ouvido de mercador, como sempre lhe dizia seu pai. Mas por que tanta pressa deste garoto? Já devia ter se acostumado. Sabe que as mulheres demoram mesmo, elas querem ficar lindas, cheirosas, maquiadas pelo resto do dia, senão da vida. Neste momento, Andrea, a bela da manhã, ainda nem estava na metade do banho. Tinha começado a se lambuzar de cremes e mais cremes. Tudo isso para conservar a pela macia, como a de bebê e não estava nem aí para as reclamações. Era vaidosíssima. As horas vão se passando lentamente para ela. Cada minuto era ainda mais apreciado. Do lado de fora, a mãe, que já acordara, e o irmão mais velho, já estavam impacientes com a tamanha demora da moça.

E batem na porta, imploram para ela sair. Esboçam reações e ameaças. Ficam zangados, lamentam que ela tenha cursinho tão cedo. Rodrigo, que nunca se intrometera na vida de Andrea e tinha um carinho enorme pela irmã, sugere então para que ela mude de horário, pois assim não atrapalharia ninguém. A mãe concorda para amenizar o clima na casa. Mas Andrea ainda não está pronta. As águas cristalinas e mornas caíam levemente sobre os cabelos loiros dela e seu corpo logo fica ensaboado com os resquícios do shampoo. Adora esta parte, a água quentinha, limpinha, tirando todo o grude que arraigava no seu corpo suado da transpiração da noite. Não se apressa por nada. Nem se perder mais uma aula no cursinho ou chegar atrasada. Queria mesmo era ficar limpinha, demorar-se no banho, satisfazer seu desejo pessoal. Agora era vez do condicionador. Este é mais rápido, mas, mesmo assim, ela não queria passar com rapidez, gostaria de passar lentamente, pois acreditava que os cabelos ficavam mais sedodos e com mais brilho.

O irmão enfurecido e a mãe, que também tem que ir por trabalho, já não aguentam mais todo dia esta rotina estafante: sempre restam dez minutos para cada para ir ao banheiro. Ficam resmungando. Resmungam e resmungam.

Neste dia, Rodrigo quebra um ritual que faz há anos: toma café antes de tomar banho. Estava p. da vida com a irmã. Era o jeito, fazer o quê? Já estava cansado de tanto bater na porta. O relógio marcava 6h40 e todo o terror ja tomava conta da casa. A empregada, apelidada de "Nenem", chega para cumprir mais um dia de sabatina. Logo percebe a tensão que toma conta de Rodrigo e a mãe. Entra, dá um tímido bom dia e já sabe: Andrea está no banheiro. Meu Deus, será mais um dia de estresse, tem certeza disso. Nenem já sabia que Andrea demorava para se arrumar. Era coisa de mulher, era coisa de mulher...repetia em sua mente enquanto começava os serviços domésticos. Sabia que toda mulher demora, mas, logo no iníco, ficou surpresa pelo arsenal de cremes que ela usa. E as reclamações não pararavam.

Andrea finalmente termina seu longo e demorado banho. Já são quase sete horas e ela está atrasada para o cursinho, atrasou a vida do irmão, da mãe. Do banheiro, escuta as broncas, lamentações. Abre a porta lentamente. Deixa o banheiro impecável para o próximo a entrar.
Sai prontíssima para o café: maquiada, cheirosa, limpa. Dá de cara com o irmão raivoso na porta do banheiro, com a toalha na mão. Os dois se olham. Não trocam bom dia. Então, antes de permitir a passagem para seu irmão finalmente tomar um belo banho, ela rapidamente esbraveja:

-Ai meu Deusssssssssss, não acreditooooooooooooooooooooooo!!!!! esqueci de passar o rímel!!!!Não saio sem eleeeeeee!!!!!!!!!

Ela volta então para o banheiro deixando a mãe e o irmão na beira de um ataque de nervos, desajustando suas rotinas diárias.