Monday, July 9, 2007

Jornalismo literário - Vaidade

Luana Francischini

- Meu Deus, Luana! O que acontenceu com seu rosto???!!!!!

Com uma cara de espanto, meu colega Alcebíades Costa, mais conhecido como Binha, um cinquentão careca, rosto redondo, botas inseparáveis nos pés, fala teatral, figura quase folclórica no meio televisivo baiano, me interpelou na entrada da redação da TV Bahia.

Lá, eu teria que responder a mais uns vinte colegas que não conseguiam esconder uma mistura de medo e riso diante de minha face naquela quarta-feira de abril. Bochechas vermelhas e inchadas, uma mistura bizarra do personagem Kiko, de Chaves, com uma boneca de louça tirada diretamente de um filme de Stephen King.

- Calma, é um tratamento estético que deixa muito mais efeito colateral do que o médico teve coragem de me contar.

De fato, eu tinha que ter percebido que o ultra-novo-moderníssimo laser Fraxel, apontado pelo dermatologista como opção certeira para retirada de marcas de acne de meu rosto não poderia agir de forma tão discreta na cutis. As expressões das pessoas na sala de espera do consultório, decorado com tons claros como quase todo consultório, davam a dica. Uma senhora, perto dos 60 anos, unhas bem feitas, bolsa de grife, jóias nos dedos e nas orelhas, estampava na cara uma tinta azul e um olhar distante. "Isso não é um bom sinal", pensei reticente.

Ao seu lado, um jovem magro, com o rosto marcado por uma adolescência de descontrole hormonal e pele excessivamente oleosa, guarda-pó do Hospital Santo Antonio dobrado sobre uma pasta preta, estava visivelmente impaciente e reclamava com uma atendente sobre o atraso.

- É que a paciente está demorando mais do que o previsto na sala de procedimento, senhor. Já já será atendido.

Assim que a simpática recepcionista terminou a frase, saiu de lá de dentro uma mulher de uns 30 anos, um pouco acima do peso, olhos arregalados, camisa suada. Todos na sala de espera ficaram tensos. Aquilo definitivamente não era um bom sinal. Me arrisco a puxar conversa:

- Desculpa perguntar, mas doeu?

- Uma dor suportável.

Dor suportável. O que seria uma dor insuportável? Algo que levasse ao desmaio imediato? Começo a crer que as minhas marcas de espinha não sejam assim tão profundas a ponto de valer tal sacrifício. O jovem médico é chamado e se dirige à sala de procedimento - ou será tortura?Aqueles cinquenta minutos foram cruéis. Na sala, apenas eu, já devidamente anestesiada e com o rosto coberto pela coloração azul, e a senhora de 60 anos, além da atendente. Não havia espaço para conversas triviais, sobre a novela, algum novo escândalo político ou mesmo sobre o motivo da cor azul na tinta necessária para o laser. O silêncio só é interrompido por gritos abafados.

Poucos minutos depois, o jovem médico abandona a maca aos berros e vem em nossa direção, como se estivesse implorando socorro para aquele martírio. "O que diabos continuou fazendo aqui?". "Vá embora enquanto pode, não deixe que aquela máquina se aproxime de seu rosto". O dermatologista acalma o rapaz e o convence a retornar. Muitos gritos depois, ele vai embora, cabisbaixo, envergonhado de ter feito aquele papelão diante de duas mulheres. "Ainda mais um médico...".

- Sua vez, senhora Luana.

Ali estava a minha sentença. Entrei na sala branca e gelada querendo demonstrar tranquilidade ao médico, uma figura de riso fácil, pouco mais de 40 anos, pele sem uma ruguinha sequer e cabelos pintados de acaju.

- O rapaz deu trabalho, não é doutor?

- Pois é, homem é frouxo mesmo pra essas coisas. Vamos começar?

"Pipipi...pipipi...pipipi..." Foram vinte minutos de "pipipi" e a sensação a cada som era de que uma faca pegando fogo cortava minha face. "Dor suportável uma ova!".

- Prontinho, acabou. Foi mais tranquilo do que imaginou, não é?

- Imagino que nunca tenha feito no senhor mesmo tal procedimento, doutor... Vai ficar vermelho?

- Só um pouquinho.

Ainda não sei se ele realmente disse a verdade naquele momento ou se minha pele criou vontade própria e se rebelou contra mim e todos aqueles momentos de tortura. O certo é que fiquei dez dias semi-deformada. No décimo primeiro, finalmente retornei para revisão - totalmente indolor (ufa!).

- Ainda tá vermelhinho, né?

- Imagina! Coisa foi na primeira semana. E agora, tenho que passar quais cremes para ver o resultado miraculoso do laser?

- Ah, ainda vai precisar de umas cinco sessõezinhas... Mas agora você já sabe que não dói quase nada e que a pele se recupera rapidinho.

Maldita vaidade.

2 comments:

Leandro Colling said...

Muito bom, com os acréscimos nas descrições ficou ainda melhor. Quero ver esse texto na imprensa de Salvador!!!

renata purri said...

Excelente; quero ver também!