Monday, July 9, 2007

Jornalismo literário - A tradição prolongada

Otaviano Neto

"Ela chegou. Ela acabou de chegar."

Assim fui recebido, às 5h45min, na casa de dona Lindaura, organizadora do evento que marca o dia 2 de fevereiro em Arembepe, distrito de Camaçari, localizado no Litoral Norte da Bahia, há 21 km de Salvador. Uma casa pequena, coberta de azulejos amarelos, cuja proteção é dada por um simples e frágil portão de zinco.

Nessa hora, pelo menos umas 200 pessoas dançavam e cantavam ao som de uma banda de sopro, saudando a homenageada. A sala onde se encontrava a imagem da Rainha do Mar estava completamente tomada de presentes e oferendas. O círculo foi formado para observar a tão esperada manifestação que autoriza o início do cortejo.

O perfume da alfazema exalava em frente a residência 56 da Praça das Amendoeiras. Os sons do fogos animavam os devotos, cortando o amanhecer tranquilo da antiga vila de pescadores, avisando que a procissão logo sairá.

Às 6h15min um formigueiro de gente estava formado na pequena praça. Dona Lindaura, auxiliada pelos sobrinhos, leva a imagem de Yemanjá para fora, onde todos os participantes podem tocar, fazer pedidos, agradecer e comemorar com a festejada.

E lá vai a procissão. Com gente de todas as cores, de variadas funções, profissões e etnias. Todas as idades estavam representadas nesse evento que mobiliza todos os terreiros, todos os pescadores e grande parte da comunidade nativa de Arembepe.

Dona Lindaura - uma senhora super-agradável, de baixa estatura, de pele bronzeada e enrrugada, mas que não comprova a idade já faturada com muito orgulho e disposição - fica a vontade no meio do festejo que corta a praça em direção a praia dos pescadores, onde as embarcações e seus mestres aguardam para irem ao alto mar fazer a entrega dos presentes.

Ela está feliz. Mostra uma feição tranquila, de quem se esforçou uma vida para preservar uma tradição, e agora vê seu sucesso descrito na quantidade de pessoas que a acompanham a cantar, a chorar, com a emoção demostrada nas formas mais diversas.

- E aí Dona Lindaura, tá do jeito que a Senhora queria?

- Ah, meu filho... - um abraço apertado aquebranta ainda mais o coração quente-frio de um protestante (no caso, eu) perdido em meio a tanta fé e poder, - ... muito obrigado pela sua atenção. Tá tudo muito bonito! Mas eu acho que vai faltar fogos!

- Deixe comigo que vou providenciar tudo! AJAYÔ!!

Como de costume, parece que a pessoa que cuida dos fogos não se preocupou em guardar uma quantidade para os momentos finais.

E finalmente a praia é tomada pela magia! Os pescadores arrumam os balaios ornamentados em suas embarcações, já tomadas pelas baianas, todas negras, e as embarcações, por sua vez, tomam o mar. A banda continua a conduzir o ritmo das emoções alheias, com cânticos de exaltação e gratidão. A frustração toma os rostos daqueles que não acharam espaço para ir em mar aberto. Os meninos trepam nos barcos e são alertados pelos mestres da falta de respeito que cometem. Ninguém que vai para o alto mar pode banhar-se.

Após 20 minutos mar adentro, os presentes são colocados, não jogados. As embarcações organizadamente enfileireiradas, navegam agora em círculos, como se estivessem protegendo os presentes, que estão ao centro. Até que eles são recebidos pela Grande Dama do Mar e todos os manifestantes podem retornar com suas promessas cumpridas ou com seus pedidos renovados.

Cerveja, feijoada e moqueca farão parte da comemoração na casa de dona Lindaura.

1 comment:

Leandro Colling said...

Bom texto, pode ter mais riqueza de detalhes nas descrições, para que o leitor vá mais rapidamente ao local.