Tuesday, July 10, 2007

Jornalismo literário - Ironia ou recado?

Renata Purri

Depois de vários dias chuvosos, o sol voltou a aparecer naquela segunda-feira em Salvador. Antônio acordou cedo para levar a filha ao colégio. Gostava de conversar com ela sobre as causas ambientalistas, pelas quais lutava há quase 20 anos. Ensinava a menina que preservar a natureza e incentivar o turismo inteligente, sem agressões ao meio ambiente, era não apenas um sonho, mas uma necessidade. Sobretudo no bairro onde morava com a família. Foi ele quem, à frente do Grupo Nativos de Itapuã, mobilizou moradores e autoridades para suspender a realização de festas populares na Lagoa do Abaeté. Nem todos entenderam. Comerciantes que ganhavam dinheiro com as festas esbravejaram. Como todos os ambientalistas, Antônio desagradava a quem pensa que dinheiro é tudo na vida.

Eliene esperava o marido voltar pra casa. Desde que Antônio começou a receber ameaças, há mais de um ano, eles viviam em alerta. Sabiam que as ameaças poderiam estar vindo de policiais, denunciados à Corregedoria da Polícia Militar, depois de uma blitz na Baixa do Soronha, em Itapuã. O alvo eram traficantes. Mas pessoas inocentes e cidadãos de bem também tiveram suas casas invadidas e revistadas como se fossem bandidos. A casa simples de Antônio e Eliene também foi invadida. Ele decidiu processar os policiais. Assim como a natureza, gente pobre merece respeito, pensava Antônio. Revoltado, não se calou. Até aquela segunda-feira, dia 9 de julho.

Aos 44 anos, Antônio Conceição Reis foi morto a poucos metros de casa, quando voltava da escola da filha. Homens encapuzados atiraram em Antônio e o colocaram no porta-malas de um carro. Eliene nunca mais viu o marido. Duas horas depois, um corpo carbonizado foi encontrado dentro de um Ecosport, à margem de uma estrada de terra vicinal, na BA-099, próximo ao Recanto Ecológico Sucupira. A polícia investiga se o corpo é de Antônio. Um corpo dentro de um carro que tem nome em homenagem à ecologia. Um carro queimado dentro de uma área de proteção ambiental. E um ambientalista calado para sempre. Ironia do destino ou um recado proposital para quem luta por um mundo mais verde e mais justo?

* Exercício produzido a partir das informações publicadas nos jornais A Tarde, Correio da Bahia e no BA TV.

5 comments:

Najara Lima said...

Muito boa a ligação do nome do carro com a luta de Antonio. Nem tinha dado atenção a isso. Boa também a descrição do pai falando sobre preservação ambiental com as filhas, o estado de alerta dele e de sua esposa. Muito bom mesmo, Renata. Pena que seu texto não saiu em um grande jornal. Outras pessoas, além de mim, com certeza se emocionariam com ele.

renata purri said...

Najara, lendo os outros textos percebo como faltaram detalhes no meu. Na verdade, como Leandro nos alertou, é difícil escrever colhendo informações de textos já escritos; é como montar uma colcha de retalhos sem pode ir ao armarinho escolher o que vc quer. De qualquer forma obrigada.

Vivian Barbosa said...

É aquilo que comentávamos, Renata, sobre essa confusão que as vezes nos ronda sobre o que é fluxo e o que seria apenas um "chute":
"Antônio gostava de conversar com ela sobre as causas ambientalistas, pelas quais lutava há quase 20 anos"
Sim, é provável que isso fosse real. Mas e se não for? Seria muito fácil saber, se nós tivéssemos entrevistado a mulher e os filhos de Antonio. Mas daqui de longe...

O texto está excelente, Renata. Também me emocionei, assim como Najara.

Leandro Colling said...

Mais um belo texto da Renata. Hoje vamos ver essa questão do fluxo.

Telma Lobão ambientalista said...

Parabéns pelas vozes que clamam por justiça, contra a injustiça praticada contra uma vida que não tinha armas para se defender, como a de Antonio Conceição, a de Chico Mendes, a de Irmã Dorothy, a de Dr. Chico, e a Natureza.
Telma Lobão,ambientalista

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