Friday, July 27, 2007

Jornalismo Literário - Acarajé Arretado!

Flávio Freitas

Sabe aquelas vontades que os outros perguntam:

-Você está grávida?

Se não fosse um homem, poderia até cogitar a hipótese. Pois a vontade de comer um acarajé na baiana do Porto da Barra me consumia há dias. Isso porque, residente de Feira de Santana, uma cidade do interior da Bahia, situada a mais ou menos uns 108 km da capital Salvador, e fã da comida típica baiana, nunca havia comido da iguaria tão comentada pelos amigos, também fãs da guloseima.

Para matar minha vontade, tinha que me contentar com o acarajé de Feira. Não que eu tenha nada contra a Princesa do Sertão, como é carinhosamente chamada pelos seus moradores, mas o problema é que acarajé é uma comida típica da Bahia e, segundo, para o pessoal da capital, Feira não é nem Bahia. Sem falar que as baianas, vendedoras de acarajé de lá, nem se vestem como tal. É um tal de roupa velha, sem saia rodada, umas nem usam lenço na cabeça, imagine? Acho até que faz perder o gosto do bolinho de acarajé.

Então comecei a botar em prática o plano de ataque ao acarajé. O problema seria como? Eu não poderia falar que iria a Salvador só para comer um acarajé. Todos me chamariam, no mínimo, de imbecil ou idiota. Meu pai me colocaria num hospício, ou pensaria que seu filho estava virando viado. Então tentei encontrar um pretexto. Jogo do Bahia, ahã, não poderia ser melhor, matava dois coelhos numa cajadada só! Via o meu time do coração e, de quebra, comia meu prato predileto. O problema é que o Bahia foi desclassificado do torneio antes da partida de volta na Fonte Nova. Ah time FDP!

Vamos para o plano B. Prova do vestibular, mais uma vez unia o útil ao agradável. E, dessa vez, não tinha como não ir a Salvador, afinal estudei o ano todo para isso.

Cheguei na capital na noite de sábado do dia 22 de janeiro. A prova seria no domingo 23 pela manhã. Ainda pensei em ir ao encontro da satisfação do meu pecado no próprio sábado. Mas, como era à noite, corria o risco de não encontrar a tal baiana do Porto da Barra. E também precisava descansar, pois a prova era no outro dia e depois..., ah depois comeria o tão sonhado acarajé completo da baiana do Porto da Barra.

Amanheceu! Ao caminho da prova, que acontecia no prédio da Faculdade de Economia da UFBA, ia pensando. "É, caso faça uma boa prova, vou comer o acarajé pra comemorar, se me der mal, tem nada não, vou comer o acarajé para afogar as mágoas".

Terminada a prova fui andando até o Porto da Barra debaixo de um sol que deveria fazer uns 40°c. Como era do interior e conhecia muito pouco de Salvador, inventei de ir andando. Para piorar a situação, vestia uma calça jeans bastante surrada, uma blusa azul clara, que logo ficara escura devido a grande quantidade de suor que minha pele expelia, um par de tênis novo que fazia calos nos meus pés e um boné branco, que até me foi útil. Quando, de repente... Tchan Ran!!!!! Avistei aquela cena tão esperada, uma baiana de acarajé com cara de baiana de acarajé, com blusa branca, saia rodada branca, lenço na cabeça branco, cantando uma música de Daniela Mercury, debaixo de um guarda-sol azul e branco, com uma mesa de madeira que guardava os bolinhos de acarajé e seus acompanhamentos. Meu Deus, parecia sonho! Logo cheguei e disse:

- Um acarajé por favor!

- Caprichado freguês? Perguntou a baiana que interrompera a cantoria para me atender.

- Ô! E bota capricho nisso!

Maldita frase! Nunca me arrependi tanto em proferir tão poucas palavras!

Ao pegar o acarajé e encarar aquela coisa maravilhosa, ao curto caminho de levá-lo até minha boca, pensava: até que enfim! Pronto, agora milésimos de segundos separam a satisfação da minha gula, até que... Comecei a ficar vermelho, em seguida lágrimas escorriam pelos meus olhos, fiquei sem voz na tentativa de suplicar por um gole de água. Como eu, um simples morador do interior da Bahia, na tentativa de matar o meu desejo, nem lembrei de pegar um dicionário regional, a tempo de saber que caprichado era com PIMENTA! mas eu não disse caprichado, eu disse: "- E bota capricho nisso!", ou seja, muita PIMENTA!

Na tentativa de respirar, pensava, nunca mais vou comer um acarajé na minha vida. Tá decidido, agora só como abará!

3 comments:

Marvin Kennedy said...

O acarajé do Xixa's até que é bom... Hehehehe

Leandro Colling said...

Engraçado e prende o leitor.

Carol said...

Muito bom... E nem sei como vim parar nessa página!