Tuesday, July 10, 2007

Jornalismo literário - Entrevista na tropa de batom

Alaine Santos

Vida de jornalista não é fácil! Lá vai ... mais uma das 125 entrevistas para o livro "A tropa de batom: perfil e histórias das policiais militares da Bahia". Tudo agendado e contato feito previamente. Já sabia que a entrevistada era 8 ou 80. Daquelas que vai ou racha. Osso duro de roer.

Terça-feira ensolarada, poucas nuvens no céu. Um dia típico para ir a praia na Bahia (aff! o último dia que fui a praia foi para fazer uma matéria sobre surf). Porém, meu dia foi muito distante da praia. Repare.

Saí de casa (no final do mundo - Mussurunga) quase 6 horas da manhã e fui para o 12º Batalhão da Polícia Militar em Camaçari (no quinto dos infernos).

- Vai para onde uma hora dessa?, perguntou a empregada.

- Vou pra Camaçari. tenho que entrevistar uma policial lá no 12º Batalhão, respondi.

Ela me olhou, sorriu e me desejou um bom dia. (filha de uma p.... percebi no sorriso dela um ' se lenhou! vai viajar de Mussurunga para Camaçari'). Como não tinha saída... peguei o carro e fui para Camaçari entrevistar a soldado Lopez, uma das mais temidas policiais da Bahia. No caminho já fui pensando como seria a reação dela ao saber que sua entrevista faria parte de um livro-reportagem que deveria obter aprovação diante de uma banca examinadora que me qualificaria como jornalista. "Será que ela vai se chatear ao saber que o comandante geral da PM vai adotar o livro para a coorporação?", falei comigo mesma.

Ao chegar no quartel já eram 8 horas. Fui direto para a recepção. Uma sala com pouca iluminação. Uma mesa grande de madeira com vários papéis espalhados e um telefone que tocava uma vez ou outra chamavam a atenção para uma desorganização por parte de quem trabalhava naquele setor. Na parede, um quadro empoeirado com a foto do governador Jacques Wagner. O ventilador barulhento estava na outra parede. Da janela da sala dava para ver o pátio do quartel que tinha um lago com 2 patos velhos.

Fui recepcionada pelo sargento Amadeu. Um senhor magro, alto, com espinhas encravadas no rosto e uma catinga de lascar qualquer nariz. Meu único recurso foi usar o classificador como abanador. Eu falava com ele e me abanava.

- Que calor não é?, disse para o sargento, enquanto me abanava da mesma forma como meu pai fazia com o carvão na churrasqueira.

- É . Tá quente mesmo!, falou o sargento, que começou a esticar o colarinho da camisa do fardamento tentando fazer o ar circular pelo seu corpo (putz! pense como o ar não ia sair depois de percorrer o corpo suado e fedorento).

- O comandante está em reunião? Gostaria de conversar com ele antes de entrevistar Lopez, perguntei e me abanei mais ainda.

- Ele acabou de entrar numa reunião, disse o sargento ( ' tenho que falar tudo correto. Falar errado com uma jornalista.... que mico! ' ) pensou Amadeu.

- Que pena! Então o senhor pode chamar Lopez para mim?, perguntei a ele já com a intenção de me livar daquela situação horrível em que me encontrava. Ele já tinha percebido que o odor das suas axilas incomodavam meu nariz.

- Me acompanhe. vou te levar até ela, disse ele, ao me conduzir com a mão no meu ombro. Pirei! ( ' agora quem vai feder sou eu! ' )

- Muito obrigada!, respondi e o acompanhei até o pátio. só no pátio minha agonia passou. Nada melhor que ar livre.

Lá estava a soldado Lopez. Uma mulher de aproximadamente 36 anos. gorda, com seios fartos, cabelos no ombro, sombrancelhas arqueadas, olhos pretos, nariz estilo Carlinhos Brown e boca carnuda. Parecia a visão do inferno. mas como Camaçari era o quinto dos infernos (pela distância)... tava tudo em casa. (risos)

Me apresentei a soldado, que logo me disse:

- Me polpe da sua apresentação. Minha vida não te interessa. Pega seu gravador e enfia ele onde quiser. Não sou obrigada a falar. Tenha um bom dia!

Depois desse poço de gentileza, agradeci a ela pela atenção e me retirei. Depois de perder o dia em Camaçari. voltei para casa com a frustração de não ter entrevistado a peça chave do meu livro. Mas tudo bem... depois de mais 4 tentativas, ela me concedeu a entrevista.

"Mulher macho sim sinhô" foi o título que dei ao perfil de Lopez. Um dos perfis mais elogiados pela banca examinadora. Viu que vida de jornalista não é fácil!

4 comments:

renata purri said...

Um texto com detalhes e boa descrição; parabéns.

Giselma Barbosa said...

Ah! Você fazer um TCC na FTC e não se stressar é impossível..risos.
Último semestre de faculdade é isso mesmo, eu que o diga...mas, pensava: "É o último, vou me livrar daqui".
Em relação ao texto notei presença das características do Jornalismo Literário, como: narração, fluxo de consciência e, principalmente, descrição.

Adriana Rodrigues said...

Sim! vida de jornalista não é fácil. Tem chás de cadeiras, foras em públicos e por aí vai....A narração está muito bem escrita, rica em detalhes, bom ritmo.
Senti falta, no enatanto, de um desfecho, o "gran finale" com mais detalhes, assim como o início do texto.

Leandro Colling said...

Bom texto, mas acho preconceituosa (ou pelo menos pode soar assi), a descrição da PM, quando vc diz: "Parecia a visão do inferno".