Tuesday, July 10, 2007

Jornalismo literário - Ainda bem que eu fui de tênis!

Gabriela Braga

Tudo começou por volta das 11h de uma segunda-feira ensolarada. Sabe aquela segunda que você não quer sair de casa de jeito nenhum, já morrendo de saudade do fim de semana perfeito regado a encontro com os amigos, paquera fixo e pizza no final da noite de domingo? Pois é...eu estava nesse clima quando minha chefe ligou:

- Gabi, você pode chegar mais cedo hoje? É que a gente tem uma externa 14h em ponto.

- Claro Mila, estarei ai às 13h, daí saio mais cedo porque hoje tenho aula!

Já precisei acelerar meu processo de arrumação. Banho, escolher roupa para a externa, encher o saco de Maria, a cozinheira, para o almoço estar pronto meio-dia em ponto! Sim, porque eu preciso sair às 12h20, já que não conto com uma alma viva para tirar os dois carros que prendem o meu.

- Vou de tênis! - pensei

O dia vai ser longo... Correr pela garagem antes que alguém chegue e os carros que tirei atrapalhem o tráfego no local, chegar na Rádio e correr para pegar todas as informações necessárias para a externa, sabe-se lá onde é essa externa, seu eu vou ter que correr pra alcançar alguém, se vou ter que caminhar muito cheia de buginganga na mão...E mais, à noite vou correr para chegar pontualmente atrasada na aula da Pós.

- É vou de tênis... cair e torcer o pé não está nos meus planos para essa semana.

Chegando na Rádio eu ainda precisava fazer o noticiário das 14h. A busca incansável por seis notícias importantes da manhã. Renan Calheiros, Renan Calheiros e Renan Calheiros. Só dá ele!Impressionante! Seja pra dizer que o Conselho de Ética arquivou o relatório de Cafeteira ou pra dizer que o Psol quer que mais denúncias sejam investigadas. O pior é a frase final de todas as matérias: Renan é acusado de quebra de decoro por ter contas pessoais pagas por um lobista da construtora Mendes Junior. E mais, Renan teve uma filha fora do casamento com a Jornalista Mônica Veloso. Será que ainda tem algum ser humano nesse planeta que ainda não sabe disso?Afe!

Mas, então, voltando ao foco...A audiência de conciliação das barracas de praia que fui cobrir. Essa foi a minha externa. Primeiro que o endereço da pauta estava errado. A audiência não aconteceu no Juizado e sim no Tribunal de Justiça. Perdi pelo menos 10 minutos da audiência tentando achá-la. Eu e Seu Antônio, o motorista gente boa lá da Rádio!

Quando finalmente encontramos o Tribunal de Justiça a audiência já havia se instalado e do local onde eu estava não dava pra ter certeza de quem estava presente na mesa. O juiz Carlos D’Ávila, caracterizado como Juiz, inclusive, soltava umas piadinhas sem graça ao retratar de um assunto que ninguém aguenta mais. O que vai acontecer com os pobres barraqueiros sem-teto?
Enfim, procurei o assessor de imprensa pra me informar quem estava na mesa. Ele foi falando, falando, falando, até que disse:

- Aquela loira ali é da Prefeitura...não sei direito o nome dela. Kátia, eu acho?

Num quase grito eu disse:

- Kátia Carmelo? Secretária de Planejamento??

- Isso!! Ela!!

Que maravilha...pensei! Estou atrás dessa criatura há quase uma semana e nada!! Não tem santo que faça ela atender os telefonemas da Rádio Metrópole, por motivos óbvios. O nosso maior prazer é criticar a Prefeitura.

O assessor, muito simpático, disse que se eu precisasse falar com alguém da mesa eu poderia chamar ele e então faríamos uma breve entrevista. Eu, prontamente falei, sim, sim, quero Kátia Carmelo! Ele não entendeu meu entusiasmado interesse por Kátia Carmelo. Mas também nem precisava. Só eu sei o quanto tentei falar com essa criatura!

Horas e horas de audiência e nada de interessante havia sido dito. Os representantes do Município, União, Ministério Público, Ibama e da Associação dos Barraqueiros da Orla Marítima de Salvador foram unânimes: queremos que todos se benefeciem. Tanto barraqueiros quanto o meio ambiente!

Naquela altura do campeonato eu nem prestava mais atenção nas babozeiras. Eu quero ela: Kátia Carmelo! Mas de novo foquei meu trabalho. Escrevi meu boletim e entrei logo ao vivo pra me livrar dessa preocupação. Ai então resolvi ligar pra chefe:

- Mila, tá um saco aqui. Ninguém falou nada de interessante. E pelo visto o babado só vai acabar depois das 7. Mas tem uma coisa. Kátia Carmelo tá aqui.

- Tá ai???

- Tá!! E eu já falei com o assessor que quero entrevistá-la.

- Massa!!! Mas pergunte do Hotel!!

- Euuu seiiii!! Foi exatamente isso que eu pensei!!Mas o problema é que o povo não para de falar.

- Tá...fique aí. Escute uns barraqueiros mas não saia dai sem uma sonora dela!!

Ai céus...será que isso vai demorar muito?? Pensei. E o pior...perdi a cadeira porque tive que sair da sala de audiência para ligar pra chefe. Putz, vou sentar no chão e ouvir os devaneios novamente.

Uma hora depois liga Mila:

- Gabi?

Eu sussurando respondo:

- Oi Mila...tô aqui ainda minha filha. Esse povo não para de falar.

- Ai meu Deus...esse homem não pára pra fazer xixi não? Que coisa!

- Rsrsrsrsrs. Não me faça rir Mila!

- Gabi, passe mal aí, dê um jeito, mas pegue a sonora dessa mulher! Beijo!

Passar mal?? Eu sou jornalista, não sou atriz!! Como é que eu vou passar mal no meio dessa galera?? Eu vou acabar com a audiência dos barraqueiros sem-teto e Kátia Carmelo vai embora sem eu entrevistá-la. Vamos aguardar mais um pouco.

- Vamos dar um intervalo de 10 minutos para que quem quiser possa beber uma água ou ir ao banheiro, disse o juiz.

Até eu queria ir ao banheiro, mas não tinha tempo. O momento era aquele!!! Corri para o assessor e falei:

- Quero Kátia Carmelo!

Ele prontamente a colocou na minha frente. Fiz umas duas perguntas sobre as barracas de praia. Os outros jornalistas também. Quando todos se afastaram, insisti.

- Secretária, queria fazer uma outra pergunta à senhora sobre uma reportagem que estamos produzindo na Rádio. O prefeito João Henrique enviou para a Câmara de Vereadores um projeto de Lei que autoriza a construção de um Hotel de 18 andares no antigo Clube Português, na orla de Salvador. O Plano Diretor permite a construção de um prédio desse tamanho naquela região?
Ohh, que pergunta linda!! Isso estava engasgado há quase uma semana na minha garganta. E, para o azar dela, ela respondeu exatamente o que eu queria. "Se a Câmara aprovar o Hotel pode sim ser construido". Não que eu seja a favor dessa construção, mas a Rádio vai adorar meter o pau em mais uma ação irracional da prefeituta.

- Mila!!!!Consegui!!!!!!!

- Conseguiu??? Volte!!!!

- Beijo!!!

Chegando na Rádio, fiz a matéria dos barraqueiros e minha xará fez a do bendito hotel de 18 andares. Tudo bem que ela ficou com a bomba, sendo eu a responsável por aquela sonora linda. Juro que não me importei. Eu ainda tinha que correr para a aula mesmo...

Ainda bem que fui de tênis!!

1 comment:

Leandro Colling said...

Texto bom, mas o início não segura o leitor, depois fica bem interessante. Quase sem descrição, mas a narração é boa.