Tuesday, July 10, 2007

Jornalismo literário - Caiu na rede é peixe

Yuri Almeida

"Nem toda comida oferecida a gente come, mulher comprometida para mim é homem".

Fazia tempo que não ouvia essa música, acho que a última vez foi no São João de 1999. Véspera do fim do mundo, que ocorreria com a virada do século, segundo as profecias de Nostradamus, até novela criaram para retratar o possível apocalipse. Com 14 para 15 anos ou teme-se a morte ou ignora-a. Na época, achei um exagero o moralismo da letra. "Caiu na rede é peixe", pensei como resposta ao conceito monogâmico da melodia. O nome do compositor não sei, a banda que tocava idem...Na verdade, além da música, as poucas lembranças daquele São João (somente este ano descobri que o tal santo foi o cabra que batizou Jesus, São João Batista) era Regina.

Assim como a música lançada ao vento, e levada para bem longe... Regina evaporou em meio a fumaça das fogueiras da festa junina. Ela, seu corpo, seu cheiro, quiçá a sua própria existência, pelo menos para a minha pessoa. Não recordava de nada, até as mãos macias vendar os meus olhos e perguntar:

- Descobre o nome da dama e ganha uma dança.

- Hum...adivinho não sou, tão pouco sei dançar.

- Nunca é tarde para aprender - pelo sotaque era nativa.

Opaaaaaa! Esse diálogo já aconteceu antes. Automaticamente, sinto o cérebro em ebulição, justamente na parte da memória. Tentativas de recordar lembranças perdidas, mistérios desvendados, enigmas solucionados. Nadaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!! Era o único pensamento concreto que resultava da campanha química cerebral. Dessa cabeça não sairá nada, desisto! Pensei em arriscar um nome, as mãos eram sedosas, a voz era de mulher...mas...

- Sei que você não vai lembrar. As mãos deixaram o rosto revelando o curioso semblante. Pensei que havia aprendido a lição, mas pelo visto é um péssimo aluno.

- É, sou de fato um derrotado, culpa da memória. Que vontade de torna-me um cyborg, ampliar a capacidade de armazenamento, expandir a memória. Não é a tecnlogia a extensão do homem? Só abrir os olhos e...

- Quanto tempo rapaz. Como os tentáculos de um polvo, aqueles braços me apertaram.

- Cabelos negros, longos e cacheados. A pele tão viçosa como um creme de amêndoas, ainda em contato com o meu corpo, naquele momento em ponto de atingir o grau máximo de ebulição. Não é o cérebro uma caixa de reações químicas? Funcionou...Caiu a ficha. Regina...putz...É Regina. Os olhos pretos brilhantes, a boca carnuda enfeitada com um daqueles gloss destacavam-se daquele rosto irônico, sarcástico. Apesar do tempo e da idade, os seios permaneciam enrijecidos e, curiosamente, era a parte mais quente do seu corpo. Ah! seu corpo! Lembro de cada centímetro, milímetro, cada sinal, cada marca. A cicatriz, próxima da bunda, fora mordida de cachorro do vizinho, resultado de uma invasão do quintal alheio para chupar manga. Regina era levada, moleca, de gestos pueris, beijos doces, voz suave, carinhos maternos e gemidos de uma vadia, uma cadela no cio. Rita Baiana do livro "O Cortiço de Aluízo de Azevedo" em pessoa, sim Regina. Já passará dos trinta? Continua casada? O que faz aqui?

- Mulher experiente que era, leu todos os meus pensamentos e respondeu com toda ternura...A cada sílaba pronunciada, piscada de olhos e passadas de mão no cabelo, denunciava: continua pervetida, uma ninfomaníaca. Regina não era mulher de um homem só, porém um rico fazendeiro, Tobias, o nome do cabra, enfiou aliança no dedo e ela tornou-se sua.

- Sabe que não me contento com um homem só. Pensou Regina ao fitar os meus olhos em sua aliança, com uma linda pedra encravada. Disfarcei:

- Diamante?

- Sim, diamante. Estou morando naquele condomínio ali. Chegamos ontem de viagem, Tobias veio resolver uns problemas da justiça. Cansei da vida do interi-o-r.

Interrompi sua fala bruscamente, quase não terminava sua frase. - Você vai morar onde?

- Ali, apontou com os dedos. As unhas pintadas de rosa indicavam exatamente para o mesmo lugar, onde horas atrás saí em direção ao ponto de ônibus, rumo à pós-graduação. Sim, minha vizinha! Pensei alto. Regina ouviu.

- Sou sua vizinha? Com um sorriso sacana no rosto. Sua mente maquinava o plano para distrair Tobias.

- Nada pensei. Não terá problema. Menina acostumada a pular o muro para chupar manga...

- A porta estará destrancada.

Assim foi a primeira vez, 8 anos atrás. Tobias, "retado" que era, ficou na festa do santo, a mulher foi para casa, sem antes olhar-me e soletrar:

- T-E- E-S-P-E-R-O!

- Dessa vez não falou mais nada. Nunca é tarde para aprender: Caiu na rede é peixe.

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