Saturday, July 14, 2007

Jornalismo Literário - Frio, suor e fogueira

Aline D'Eça

O ônibus parou na rodoviária naquela cidade onde ele nunca estivera antes. O frio que ele sentia não sabia ao certo se era uma conseqüência climática ou se vinha de dentro da sua barriga. Estava ali para conhecer pessoas que ele nunca teve contato. O objetivo era muito importante. Estava ali para ser julgado, avaliado, comentado, aprovado ou reprovado, mas a decisão tinha sido sua. Se tudo desse errado, a primeira coisa que pensaria era em fugir. Mas como fugir se não conhecia uma rua sequer daquela cidadezinha?! O consolo é que estava há apenas duas horas de Salvador. Não... agora não há mais volta, não podia vacilar e mostrar-se fraco. Aí sim, estaria tudo perdido.

O motorista, um senhor negro, baixinho e careca, aparentando uns cinqüenta anos e trajado em um uniforme de tons azuis, com uma gravata vermelha fajuta e mal arrumada, abre a porta do veículo e grita:

- Rodoviária de Nazaré! Apenas cinco minutos de parada. Passageiros que forem descer aqui, favor entregar o bilhete.

O recado era pra ele. Não há como fugir, tem que descer. Por que diabos ela resolveu lhe apresentar aos pais ali? Não podia ser em Salvador? Insistiu várias vezes em conhecer o pai da sua garota, mas não sabe porque ela sempre hesitava. Chegou até ficar desconfiado. Ou eles são brabos ou eu que não presto pra ela. Será que ela tem vergonha de mim? Claro que era um rapaz sério e queria compromisso... sim queria compromisso e todas essas babaquices que só um homem apaixonado pode fazer. Não aceitava mais viver na clandestinidade de um namoro escondido.

Conhecer os pais é realmente algo careta, mas não para ele. Estava apaixonado. Já se passaram três meses de namoro e continua se sentido escondido, como garoto que pula o muro do vizinho para roubar uma goiaba. Mas ele nunca foi um homem de roubar goiabas! Como filho mais velho, tinha que dar o exemplo... sua mãe sempre cobrava isso. Era preferível bater na porta do vizinho carrancudo e, na cara-de-pau, pedir pra arrancar aquela goiaba madura do pé antes que os passarinhos a comam antes dele. O máximo que podia acontecer era o cara bater a porta na sua cara e ele ter que se conformar em perder para os passarinhos.

As condições do encontro foram estabelecidas por ela. Que poder é esse de uma mulher oito anos mais nova dominar um homem? Agora, sem carro e sem rumo na cidade desconhecida, tinha que esperar ela chegar com a mãe para buscá-lo. Meu Deus! Ela já vinha com a mãe! Mas pelo menos já havia sido apresentado a ela por telefone. Será que isso é válido? É... deve ser... Pior é o pai. Meu Deus, o pai, o irmão, a irmã mais velha, os tios com quem ela mora em Salvador, outros tantos tios e tias e primos e primas e amigos e amigas e o cachorro. Ufa! Se tivesse que sofrer alguma humilhação, tinha um público imenso para ver prestigiar o seu vexame... E ainda por cima as fogueiras, os fogos de artifício, as pessoas cheias de licor... E se a sobrinha dela jogar alguma bombinha nele, tinha que agüentar e ainda dar risada. Que bonitinha...

As mãos estavam suadas e nervosas, por isso Sandro as enxugava vez ou outra na calça jeans escura. Estava suando, mas o clima frio da cidade estava a seu favor. Não daria pinta. Preocupava-se apenas com as mãos. Elas deveriam estar secas e seguras na hora do aperto de mão. E os olhos? Olhar de homem, rapaz!!!... convicto!

Sandro é tímido, extremamente tímido, mas simpático e doce, deixando transparecer essas características através do olhar. Tem 32 anos, mas não é formado, pois o pai morreu cedo, quando ele deixava a adolescência, e teve que “ir pra lida” logo após concluir o segundo grau, por isso não prestou vestibular. Hoje é coordenador de garçons em um chique restaurante de Salvador. Não possui cabelos, por opção, prefere raspar. Não é alto, nem baixo: 1,70m de altura. Não é gordo, nem magro. Malha, mas só consegue definir um pouco os músculos dos braços e das pernas, nunca os da barriga.

Um gol cinza prateado chegou na frente daquela velha rodoviária com duas mulheres dentro. Era ela, a sua deusa Isis, e a mãe dela, dona Benedita. Benedita não, porque ela não gosta, rapaz!!! Bené... apenas dona Bené.

Sua namorada (ou seria ainda apenas pretendente?) desce do carro, lhe beija no rosto e o puxa até o carro. Isis é uma bela morena de traços egípcios como seu nome, uma Cleópatra sem olhos verdes... Ai, ai, o amor o torna exagerado mesmo... assim... “exagerado, jogado aos seus pés”... Mas nada de babar diante da sogra. E se ela pensasse que ele é um tarado? É melhor entrar no carro com cuidado.

- Olá, meu filho! Então é você que é o Sandro. Até que enfim, hein? – exclamou dona Bené, uma senhora de cinqüenta e poucos, morena clara, cabelos lisos curtos e com um rosto iluminado por um belo sorriso.

- É... e olha que fui eu quem vinha cobrando de Isis essa oportunidade. Até que enfim mesmo – Sandro apressou-se em se explicar, não queria parecer enrolado – Muito prazer. Isis sempre fala da senhora – Que frase ridícula!!!, imaginou, mas não tava em condições de improvisar.

- Vamos logo mainha, antes que ele fique com medo e desista de conhecer meu pai e meu tio. E não fale que o povo tá esperando ele com aquele facão na mão... – brincou Isis, provocando uma gargalhada na mãe e um sorriso amarelo na cara de Sandro.

Isis é brincalhona mesmo, mas isso é brincadeira que se faça?!

Em menos de sete minutos o carro pára em frente a uma casa amarela com três janelas de alumínio e vidro protegidas por grades pretas e um grande portão de grades igualmente pretas onde ficava uma garagem.

- Chegamos! - anunciou sua sogra-motorista.

Logo escutou que uma música de Luís Gonzaga vinha de dentro da casa. Estavam em clima de São João. E que isso seja um bom sinal... Foi entrando atrás de Isis, que o puxava pela mão. Após os portões, logo atrás de uma porta de madeira à sua direita, estava a armadilha, digo, a surpresa: numa sala sentados no sofá concentrados na televisão estavam três homens; um senhor de cabelos grisalhos, outro careca e o um rapaz alto.

- Geeeennnte, esse é Sandro! – gritou a sua namorada-pretendente.

Um calafrio subiu da barriga até a garganta do rapaz. Aqueles três homens viraram-se repentinamente. Ele era agora o alvo, digo, o centro das atenções.

- Boa tarde – foi tudo que conseguiu falar.

O senhor de cabelos grisalhos, de rosto marcante, oval, nariz volumoso e olhar decisivo, que estava sentado em uma poltrona amarela, aparentemente confortável, com as pernas estiradas para frente, agora estava em pé, na sua frente, estendendo-lhe a mão direita.

- Prazer, sou Demétrio, o pai de Isis. Tudo bem?

A voz parecia calma e educada, mas era ele: o pai. Sandro estendeu a mão e saudou o senhor, apertando-a com segurança, embora parecesse um pudim mole por dentro... Preocupava-se se apertava a mão daquele senhor na medida certa, para não parecer nem fraco e nem grosseiro.

- Muito prazer, seu Demétrio. Ouvir muito falar do senhor – a mesma frase novamente! Putz..., pensou e continuou - ... muito bem, ela fala muito bem do senhor.

- Que bom! – respondeu o pai da moça - seja bem vindo.

UUUfffffffffaaaa... suspirou Sandro, mas nem deu tempo relaxar, pois as apresentações continuavam.

- Esse aí é meu tio. Deste sim você tem que ter medo. É ele que é o cabra da peste e que estava te esperando com o facão escondido atrás do sofá. Com ele que você tem que se preocupar. Titino é muito ciumento – alertou Isis, apontando para o tio careca que ria...

- É mentira dela rapaz! Mas tem que cuidar bem da minha sobrinha mesmo, viu? – respondeu o velho senhor, apertando sua mão. O aperto e o balançar da mão foi realmente mais incisivo que o do pai da moça. Ficou sem graça.

Já o rapaz alto, aquele sabia quem era: Lucas, o irmão caçula da jovem. Este foi o mais simpático de todos e o abraçou de lado dando dois tapinhas nas costas:

- Minha irmã é gaiata mesmo, não acredite em tudo que ela diz - tranquilizou o rapaz.

Depois das apresentações iniciais, alívio. Isis o puxou até uma salinha com computador, onde uma jovem branca, alta e magra de cabelos negros estava entretida.

- Aline, este é Sandro – exclamou Isis – Ele fugiu da sala com medo de Titino - completou, gargalhando.

- Oi Sandro, até que enfim – levantou a jovem, dando dois beijinhos nele, de um lado e do outro da face – Não acredite em tudo que Isis diz.

- É, eu sei, acabei de ouvir isso...

E depois da cunhada, um a um, Sandro foi sendo apresentado a cada tio, tia, primo, prima, sobrinha, empregada, vizinhos, cachorro, e todo mundo que estava naquela ampla casa para o almoço de família.

Depois de um licor e outro - não muitos, para não dar nenhum mole e acabar dentro da fogueira - Sandro estava mais relaxado. Sua preocupação agora era se entalar ou tossir ou dar qualquer outro tipo de vexame na hora do almoço... Alguns minutos depois, estava ali... Na ampla mesa de 12 cadeiras, o colocaram pra sentar justamente ali, na segunda cadeira à esquerda do sogro, que tomou assento na cabeceira. À sua frente, um imenso pernil de porco e uma faca elétrica. Apesar da simpatia que todos - menos o cachorro - demonstraram com ele, melhor ter cuidado, pois era minoria. Qualquer coisa ou ele perdia o dedo, ou algo pior...

3 comments:

Luana Francischini said...

Muito bom, Aline. Seu melhor texto publicado no blog até agora, na minha opinião. Parabéns

Leandro Colling said...

Muito bom o texto, apenas acho que falta um desfecho, a historinha não termina.

Vivian Barbosa said...

kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
Tô aqui, morrendo de pena do pobre do Sandro!!!! kkkkkkkkk
Ele e Isis já leram o texto? hehe
Muito bom. Dá pra ficar nervoso junto com o personagem.