Monday, July 16, 2007

Jornalismo Literário - Luta diária

Renata Leite

Há um único inconveniente de morar em Candeias. Como não tenho carro, aliás, nem sei dirigir, tenho que pegar o humilhante. De 15 em 15 minutos sai um VSA da rodoviária com destino a Salvador. Para eu chegar antes das 9 horas na Tribuna da Bahia, para mais um dia de trabalho, tenho três opções legais: 7h, 7h15, 7h30. Antes ou depois disso não dá certo, ou eu chego muito cedo ou atrasada demais no jornal. Esses são os horários mais concorridos, nunca vi tanta gente.

Às vezes forma fila em formato caracol. Quem chega cedo para o próximo horário se dá bem, tem o assento garantido e tem maiores chances de sentar no lado direito do ônibus onde não pega sol. Os retardatários ou enfrentam aquele buzú que já está estacionando na garagem da rodoviária ou espera o próximo. Eu sempre chego atrasada para o horário de 7h30. É incrível! Além de já estar com todos os bancos ocupados tenho que disputar um espaçozinho no corredor.

- Moço deixa eu passar?

- Pois não querida!, disse um senhor de cabelo grisalho, olhos cor de mel e de fisionomia alegre de quem dormiu bem.

- Que homem gentil, pensei.

É muito chato ter que viajar os sessenta minutos de Candeias a Salvador em pé. Meus truques nunca funcionam. Faço cara de cansada, doente, deprimida, com dores na perna, no pé, mas de nada adianta. Os homens que deveriam se comportar como cavalheiros e ceder o lugar para mim viram é a cara. Revoltada, também viro o rosto, só que para o outro lado.

- Nossa meu Deus, que homem fedido!, falei baixinho apenas para os meus ouvidos.

Não conseguia encarar a idéia de que teria que enfrentá-lo naquela manhã. Eu que estava tão cheirosinha e ele, aquele homem grande, branco, barba por fazer e com o macacão sujo de graxa. A minha esperança é que ele descesse antes de mim, quem sabe em Menino Jesus, na Brasilgás ou no Retiro?? Enquanto ele não descia tive que suportar o cheiro de cachaça que exalava no suor, o fedor de catinga típico de quem não vê o sabonete e o chuveiro há dias e ainda tendo que me esquivar para não sujar a minha roupa na dele, que tentava o tempo todo roçar o seu corpo no meu.

- Moço por favor, dá para o senhor chegar um pouquinho para lá de forma que eu possa estirar a minha perna?. Eu tentava ser educada. Eu sabia que era impossível me livrar dele com o ônibus lotado. O mínimo que o senhorzinho mal cheiroso fez foi puxar o pé.

- Coloque aqui ô, sugeriu.

- Deixe para lá.

Eu, que queria me livrar dele de qualquer jeito, quebrei a cara. Muito saliente, o homem catinguento, ao se mover se encostou mais ainda ao meu corpo, me deixando mais estressada.

- Moço por obséquio, tem como o senhor chegar um pouquinho para o lado porque meu braço não aquenta mais esta posição? - pedi já engrossando.

O homem deu espaço para eu estirar meu braço, mas como da outra vez foi pior. Meu nariz ficou bem abaixo do seu braço cabeludo e molhado de suor, que escorria sem parar. De repente aguço os meus ouvidos, em meio a conversaria das mulheres que falavam das suas experiências dentro de casa com os seus respectivos maridos e dos homens comentando a vitória de 4 x 0 do Brasil contra o Chile, para tentar escutar aquela voz que soava antes da catraca. O tom firme e forte me dava a certeza que era de gente grande e estava ali pedindo dinheiro.

- Desculpa interromper a viagem de todos vocês, mas é pela necessidade que estou aqui pessoal. Estou na cidade para um tratamento médico. Tenho problemas na cabeça e por isso não posso trabalhar. Não tenho vergonha de pedir. Vergonha é por as mãos nas coisas dos outros e isso eu não faço. Gente 50 centavos serve, 5 e até mesmo 1 centavo. Qualquer moedinha é ajuda pessoal. Eu não posso ir até vocês...

Não precisei me atentar até o final para saber de quem se tratava. O cidadão era o de sempre: estatura baixa, olhos verdes e de cavanhaque e, talvez, porque sei lá eu se ele realmente fala a verdade, sofredor de um derrame. Era mais um a importunar a minha viagem. Acredito que ele entrou assim que um garoto, com mais ou menos seus 16 anos, desceu do ônibus quando ainda estávamos na Br -324 após comercializar seus doces e salgadinhos.

Entre uma pessoa e outra que estava em pé eu tentava me localizar através da janela do ônibus. Quando percebi já estava chegando na Sete Portas, onde iria descer. Mais uma viagem para testar a minha paciência e resistência.

4 comments:

Giselma Barbosa said...

oi Renata..que sofrimento hein? Mas, confesso que se não fosse tão trágico e nem real, seria engraçado..Dei tanta risada imaginando a cena, porém sei que não tem nenhuma graça.
Bjos

Leandro Colling said...

Bom texto, ainda é do primeiro exercício. Um pouquinho mais de descrição deixaria ainda mais rico.

Najara Lima said...

Também gostei do texto, você consegue fazer com que o leitor se sinta na sua pele, mesmo não descrevendo tanto.

Foco na News said...

Rê, gostei da sua história!!
Lembrei das agonias que também enfrento no Buzú...
Gostei da descrição, do diálogo!