Monday, July 23, 2007

Jornalismo Literário - Saudades da minha Encarnação

Camila Danon

Era dezembro, mês das férias, das festas de fim de ano, de viajar e curtir uma praia no litoral baiano. O ano era 1990, lembro ainda como se fosse hoje, a minha empolgação, vamos viajar para ilha, perto de Salinas da Margarida, Encarnação.

Minha avó materna mantinha uma casa de veraneio na ilha para a família. Gostava de ver a casa cheia, reunir os filhos, com seus respectivos companheiros e netos. Devido ao antigo hábito de acordar cedo, ela preferiu pegar o primeiro ferry de cinco horas com a filha caçula, seu marido, o filho e nos aguardar lá.

A fila para pegar a embarcação que conduz a Bom Despacho estava dando voltas no horário das dez horas e terminava em São Joaquim, mas estamos com paciência, acordei relativamente cedo, tomei um café reforçado e preferi vestir logo meu biquíni novo, rosa com florzinhas vermelhas por debaixo do vestido branco. Não queria perder tempo quando chegasse na ilha e sim aproveitar cada minuto de sol, me banhando nas tranqüilas águas do mar. Minha única aflição eram aqueles bichinhos asquerosos, que viviam na areia da praia, próximo ao mangue, habitat natural destes crustáceos com garras afiadíssimas! Tenho trauma de infância, fui atacada por um deles e por pouco não perdi meu indicador direito. Foi neste mesmo período que desenvolvi alergia pelos caranguejos e outros bichinhos similares, acho que foi uma defesa natural.

O percurso para chegar na ilha leva em torno de uma hora, aproximadamente, de ferry boat e uma hora de carro ou transporte rodoviário. Gosto de sentar perto da janela do carro para admirar a imensidão do verde das árvores, a vegetação extensa, compostas por lindos campos, uma variedade de gramíneas e rebanhos.
Encarnação tinha vestígios do desenvolvimento, já possuía rede elétrica, porém com iluminação pública precária e escassa. O chão era batido de terra e cascalho do mar. As casas de veraneio eram mais exuberantes, arquitetura rústica e ficavam no centro da ilha, próximo aos estabelecimentos comerciais, mercearias e da praça principal, lugar preferido dos jovens para flertar e das crianças para brincar.

As casas dos nativos da ilha eram mais simples, de alvenaria, poucos cômodos e espaço físico insuficiente para moradia da numerosa família. A prefeitura da região não tinha um controle de natalidade eficaz e por isto muitas jovens iniciavam sua vida sexual cedo e, conseqüentemente, surgia a precoce maternidade, além das mães de famílias que não tinham instrução e engravidavam mesmo sem estrutura ou condições financeiras para garantir as necessidades básicas de sua prole.

A casa de minha avó poderia ser denominada de classe média, era próxima ao centro e defronte ao campinho de futebol, mais utilizado para pastagem dos animais. Tinha quatro quartos, um para cada filho e do lado de fora, tinha um quintal enorme, minha avó preferiu construir seu quarto do lado de fora, próximo as suas plantações de abóbora, tomate, melancia, banana e os enormes coqueiros.

A natureza era predominante em toda ilha, as praias se destacavam pelas águas cristalinas, a variedade de peixes, conchas e a quantidade, quase inacreditável, de “arg” crustáceos, especialmente, os mini-caranguejos, que tomavam a extensão de toda areia. Meu pai costumava dizer para não ter medo e me assegurou que, na medida em que eu andasse, os bichinhos inconvenientes iriam recuar e se enterrar nos buracos de areia. Ele estava certo, mas vá tentar explicar isto para uma criança de nove anos? Demorei alguns anos para compreendê-lo.

Com o tempo, aquela Encarnação foi parar na lembrança, em vagos flashes, causados pela maturidade, que, infelizmente, a apagou da memória. Encarnação mudou depois da popularização, acima de tudo por causa da modernidade, da chegada do telefone, que diminuiu as relações pessoais, e de tantos outros avanços tecnológicos.

O chão foi asfaltado, a construção de novas casas devastou algumas plantações, investidores trouxeram suas empresas e a mão-de-obra local foi desvalorizada, a rotina daquela nova Encarnação já não era mais a mesma e por isso não despertava mais o interesse dos seus velhos visitantes.

1 comment:

Leandro Colling said...

Talvez pelo fato de tudo ter ocorrido há tanto tempo, faltaram mais dados na descrição para formar as imagens.