Tuesday, July 10, 2007

Jornalismo literário - Lembranças de Barro Vermelho

André Martins

O ano eu não me lembro, mas eu devia ter uns 11 ou 12 anos quando fui pela primeira e penúltima vez à Tauapiranga, ou São João do Barro Vermelho, em Pernambuco. Voltei lá em um Dezembro do ano seguinte. Era mês de junho, logo eu estava de férias do colégio, resolvi passar o São João com meus avôs. Eles sempre moraram em São Paulo, mas no São João, Brandão, meu avô, sempre vai para o interior de Pernambuco, Taupiranga, sua terra natal. Daqui de Salvador até Taupiranga são entre 8 à 10h de viagem. Isso é se as estradas não estiverem esburacadas.

Mas, lá fui eu, apesar de ficar enjoado e várias vezes "encontrar raul" cheguei vivo ao meu destino. Próximo à cidade já se começa a perceber como é árido, seco e pobre aquele lugarejo. Uma casinha de pau-a-pique ali, outra mais distante, algumas cabeças de gado magricelo, e muitos, muitos cactos, afinal é o que mais se encontra no sertão. Pois é. Eu, extremamente urbano, estava no meio do mato, a ermo, longe de tudo e todos. A cidade mais próxima de nós era Serra Talhada, que ficava a 2h do local em que eu me "enterrava".

Enterrava. Essa é a palavra certa pra descrever aquele local, pois ao entrar na cidade dou de cara com a Igreja de São João do Barro Vermelho e o cemitério local e suas dezenas de cruzes. Ao centro, uma praça com uma base de tijolos ao centro. Hoje vi uma foto, quase dez anos depois da última vez em que estive na cidade, e ela está arborizada, com coqueiros e mangueiras, únicas árvores que ainda vingam sem esforço naquele lugarejo, com bancos em toda a volta. Mas ela não era assim, só existia um chão de barro vermelho, acho que daí que tiraram o nome da cidade, e uma televisão de 20 polegadas em cima da base de tijolos, onde a cidade se encontrava ao entardecer.

O calor que fazia naquela cidade fritava até ovo se jogasse no chão de "cabeça de nego" (aquelas ruas de pedra como as do Pelourinho). Era infernal! "Ai que vontade de cair na piscina", mas que piscina? O jeito era me contentar com o rio Timbó que passava por trás da cidade. Junto com alguns amigos da época fomos ao rio e a água era tão suja, tão suja que só não era o Tietê porque não era poluído, era barro mesmo. Peixe? não sei, não me arrisquei a saber, mas vaca, cachorro, jegue, toda a fauna e moradores da região utilizavam-se daquela água. Ah sim, tinha uns peixinhos, pititingas, que, uma vez tomando banho em casa de um tio meu, pois as obras da casa nova de meus avós ainda não havia terminado, resolveram aparecer no meu balde, sem contar que a água tinha um cheiro ruim também. "Onde eu fui parar?" Água para beber e fazer comida a gente comprava em Serra Talhada, para banho tinha que ser aquela mesmo, mas eu tomava de agua mineral mesmo às escondidas para meu avô não ver.

"Mas se eu quisesse ligar para alguém aqui em Salvador?" O jeito era ir até o logradouro, numa casa que tinha um telefone alugado para os moradores. Um morador era nomeado a tomar conta do local e ele ficava lá ouvindo nossa conversa e cronometrando nosso tempo gasto. À noite, como de costume, a cidade se reunia para assistir novela, menos eu e alguns parentes de meu avô que tinham condições e possuíam energia elétrica em casa e podiam desfrutar do conforto de seus lares e eletro-eletrônicos. Ah! Mas tudo isso sem contar com os companheiros ilustres que perambulavam pelas duas únicas ruas. Não sei se posso chamar de sapos devido a seu tamanho e fisionomias grotescas, mas eram eles, mostruosos, que nem se importavam com a nossa presença, mas dava nojo.

3 comments:

Leandro Colling said...

Boa descrição, entrei na ambiência do local.

Giselma Barbosa said...

Nunca fui a essa cidade, acho que nem preciso ir...pela descrição parecia que já conheço o local como a palma da minha mão..

Valeu Dekooo!!!!!

Camila Danon said...

Gostei do relato e me senti tão envolvida na história que lembrei da minha infância num lugar semelhante, havia até os bichinhos grotescos, porém eram caranguejos!!! Affff