Monday, July 9, 2007

Jornalismo literário - Último ato de um artista eterno

Luana Francischini

O andar difícil, quase manco, esconde pernas que um dia executaram perfeitamente os passos mais difíceis do balé clássico nos palcos do Theatro Municipal do Rio de Janeiro e as sequências cheias de ginga da dança afro no Teatro Castro Alves ou coreografias de chanchadas nos auditórios da extinta TV Tupi. Hoje, aos 70 anos, Carlos Moraes, uma vida dedicada a arte de movimentar o corpo ao som de clássicos de Tchaikowsky ou dos batuques africanos dos terreiros de Xangô, exibe um corpo franzino, cabeleira cinza, capote sempre enfiado no corpo, se protegendo contra qualquer gripe ou virose que possar atacar.

E assim, andando devagar, ele mantém um ritual que o faz permanecer artista mesmo sem calçar as sapatilhas ou vestir as malhas apertadas que os bailarinos exibem no palco. Todos os dias, o mestre Moraes, ou Carlinhos para os mais amigos, dá aulas de balé em sua academia para meninas ricas da Pituba e Itaigara, bailarinos considerados velhos para uma companhia de dança no segundo grupo do Balé do TCA e garotos e garotas do Pelourinho que nunca imaginaram aprender a arte dos russos, ingleses, franceses e americanos.

- Alôôôô!!!!

Exibindo um sorriso largo e disposição de quem ainda aprende os primeiros pliés, Carlinhos entra na sala procurando de um a um quem são os pupilos daquele momento considerado por ele sublime, mesmo que não haja platéia para aplaudir um perfeito developé. A exibição do exercício nem sempre é literal. Quando está empolgado - sala de aula cheia - faz questão de se levantar e mostrar tudinho, incluindo as piruetas que sempre saem perfeitas, por mais que a turma procure a fórmula do velho Moraes conseguir girar em torno do próprio corpo sobre a meia-ponta do pé tão frágil.

Em outros momentos, quando o cansaço das duas aulas anteriores tomam conta do corpo do pequenino professor, baixo para os padrões do clássico, apenas mostra com as mãos e cabeça, dando o compasso com uma voz afinada e firme, destoando do rosto um tanto abatido pelo peso da idade.

Entre cada exercício, uma lição de vida. Além das técnicas passadas com precisão de quem é formado em música e dança e tem o dom inexplicável da arte, Carlinhos procura relacionar valores como responsabilidade e perseverança com o cotidiano de todos. Até o último grande salto, chega a berrar com as alunas quando algo sai errado e às vezes exagera na crítica, podendo envergonhar um ou outro. Mas é capaz de arrancar gargalhadas com comentários que relacionam, por exemplo, algum mistério da novela das oito com o jeito que o rapaz executou um giro.

Longe dos palcos, Carlos Moraes mantém-se vivo como artista e talvez seja um dos poucos capazes de receber aplausos três vezes por dia, mesmo que sejam de jovens iniciantes na arte da dança ou experientes bailarinos que não se cansam de agradecer ao mestre.

2 comments:

Leandro Colling said...

Muito bom, quase um perfil!! Quero que todos alunos informem o nome completo, pois assim o leitor não tem, ou tem menos, dúvidas de q é real.

Pablo Reis said...

A descrição é boa, embora o conhecimento entre a fonte e a repórter permitisse um mergulho maior num fluxo de consciência. Apesar do texto laudatório, observadores imparciais não aprovariam a pintura feita de um senhorzinho afável e lírico. Diriam que é uma maquiagem na aparência ranzinza e um pouco de soberba durante as aulas. Mas isso é culpa dele e não da repórter.