Wednesday, July 11, 2007

Jornalismo Literário - Deus existe!

Josi Anjos

- Ah! Se eu pudesse não levantaria dessa cama hoje. Aí, meu estômago está doendo, estou morrendo de fome. Acho mesmo que vou é morrer de fome. Não tem nada para comer aqui. Pensou Esmeralda (Esmeralda, uma bela jóia. Mas que absurdo, uma mulher com nome de pedra preciosa jogada assim, ao descaso) na noite escura de uma quinta-feira de abril. Ela tentou levantar, mas não conseguiu, estava muito fraca.

É muito humilhante, uma mulher, mãe de oito filhos, avó de outros tantos, passar por privações no fim da vida. Foram 76 anos dedicados aos filhos, netos, bisnetos e agora, na fase final da vida, ficar assim, jogada no canto como uma boneca velha com quem ninguém mais quer brincar. Quanta injustiça. Chega a ser desumano.

Esmeralda levanta-se com dificuldades e vai até a mesa, também conhecida como Bela, ou velha Maroca (esse apelido é utilizado exclusivamente por dois sobrinhos-netos), fica ainda mais abatida quando percebe que não há quase nada para comer, na verdade, só lhe resta um pouco de leite em pó e meio pacote de macarrão cru. – Para completar, o gás já está para acabar e eu não tenho mais um centavo, lamentou.

– Será que sobrevivo a mais essa noite? Questionou ao próprio corpo. Toc, Toc... - Quem será, tomara que seja Binha com um pedaço de pão. Não, não deve ser, aquela infeliz da mulher dele não o deixaria vir aqui há essa hora. Na verdade, aquela miserável quer mesmo é que eu morra. Tô com fome. Toc, Toc... - Bela, Belaaaaaaa, vc está ai? Ah! É Zene, graças a Deus! – Já vou, espera um pouco que estou indo, respondeu enquanto caminhava se apoiando nas paredes do quarto e sala mal iluminado.

Chegou minha salvação, pensou ao abrir a porta e dar de cara com a sobrinha. Quem será essa mulher que está com Zene? Que vergonha, não tenho nada para oferecer a ela. Puxa! O que será que ela vai pensar de mim. Ela vai achar que eu morri e esqueci de deitar. Mas eu estou mesmo parecendo uma caveira, só que com muita pele sobre os ossos.

Meu Deus! Pensaram as visitantes quando se entreolharam após ver Esmeralda ali, apoiada na porta, só a pele e o osso. Os olhos das duas ficaram, visivelmente, úmidos, mas elas tentaram disfarçar, entraram e conversaram o mais naturalmente possível.

Vixe! Como ela está magrinha, pensou a sobrinha no mesmo instante em que se ofereceu para preparar algum alimento. Não há mais saída, não posso mais esconder a minha situação, talvez seja até bom. Na verdade tudo é melhor do que morrer de fome, é isso, não é hora de ficar envergonhada, vou confessar. De repente, lágrimas e soluços, Belinha não resistiu e caiu no choro enquanto contava as condições deploráveis em que estava vivendo, nem o remédio, necessário para controlar a pressão alta, tinha condições para comprar.

Apesar de tudo, o que deixava Esmeralda mais triste era o fato de que, no momento em que mais precisava de apoio, nenhum filho ou neto estava ali para apóiá-la. Ninguém. – Está decidido Bela, você vai lá para casa, amanhã vamos ao médico e você vai ficar comigo, pelo menos até melhorar e ganhar uns quilinhos, anunciou a sobrinha. – Deus existe! Finalmente encontrei alguém que me ama e cuide de mim. Graças a Deus. Aliás, adeus morte, vai visitar outro, a mim você não leva mais. Desista! Não vou morrer. Mas ainda estou com fome!

7 comments:

Luana Francischini said...

Pelo texto, dá para perceber que você se sente à vontade para trabalhar com os fluxos. O resultado é uma narrativa com bom ritmo, original e que não compromete o entendimento do assunto. Parabéns!

Fábio Guerra said...

Concordo com o comentário acima. Interessante a maneira como você conduz o texto, Josi. O fluxo aparece em vários momentos, sendo que fica claro que você transita pela narração e faz a ponte para o fluxo sem perder a linha da história.

Muito Bom!

Najara Lima said...

Gostei do texto também. Senti o fluxo de consciência de forma muito mais constante que no meu texto, por exemplo. Legal também quando no começo o narrador interfere na história para expor uma opinião a respeito do nome de Esmeralda. Senti também saudade das minhas avós.
Parabéns, Josie.

André Martins e Ariele Andrade said...

Fluxo de Consciência e Descrição bem presentes...

gostei do texto... me senti na história, parecia q eu estava naquele quarto e sala junto com Esmeralda.

Débora said...

Não consegui compreender se o fato foi real, ou não. Mas, em matéria de fluxo de consciência, gostei muito!

Vivian Barbosa said...

despertou emoções! cumpriu o mais importante, que foi o uso do fluxo e de forma muito interessante. Parabéns, Josi!

Leandro Colling said...

concordo com os comentários, parabéns.