Silvia Mizuno
Nas famílias italianas ela é a “nonna”, nas alemãs, “grossmutter”, nas baianas, “ô minha vó”, e nas japonesas, “batian”.
Batian acordou cedo como sempre, bateu o sino do santuário e falou aquelas três palavras enigmáticas. Bateu o sino pela segunda vez e começou o mantra, bem baixinho. Já estava esperando a terceira batida. É a partir daí que tem o lance do foguinho, do incenso e coisa e tal, mas parou tudo. Eu estava ouvindo do quarto ao lado, ainda na cama, como todas as manhãs. Podia ser apenas um sonho, o sino bateu a primeira e não bateu a terceira. Que sonho besta. Mas no sonho teve um chacoalhão. Abri um olho, o direito porque o esquerdo estava com remela, ficou colado.
– Shirubinha cômbra bêra. É um sonho, um sonho com a batian. Será que ela morreu?
– Shirubinha acôruda. Ufa, ela não morreu. Ela quer que eu acorde, deu pra entender, não deu? “Shirubinha acôruda”.
- Bom dia batian. – Cômbra bêra. - O quê? É o café da manhã? - Non, non, cômbra bêra pro batian. - Já sei, batian quer que eu vá ao mercado, “compre” alguma coisa. - Ê, ê bêra. - Já vou batian, quantas peras a batian quer? - Non bêra non, ê bêra, compra bêra.
Por que, Kamisama, por que eu fiz essa loucura? Cruzar o mundo em um navio e chegar nessa terra primitiva, de uma língua indecifrável. Disseram que seria um cruzeiro... um cruzeiro de três meses, enfrentando enjôo, falta de água, o calor infernal, os insetos monstruosos, feijão salgado, argh! Toda essa aventura para ter netos assim, que não entendem o básico, um pedido de uma batian. Será esse meu fim, Kamisama? Morrer incompreendida... Vou morrer sem poder fazer a última reverência à Kamisama....
- É vela! É vela! batian quer que eu compre vela, não é?
Wednesday, July 11, 2007
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5 comments:
quando a gente cresce, o olho deixa de fazer tanta remela durante a noite... pq será? hehehe
excelente texto! seu estilo é único. levísimo. seus textos são prazerosos de ler. parabéns!
Esse foi um dos melhores fluxos de consciência que li no blog até o momento. Como Vivian comentou, vc tem um estilo ímpar. Parabéns!
Miza,
Conseguiu não apenas fazer os fluxos, como deixar claro um estilo próprio de escrever, presente desde o primeiro exercício. Parabéns!
Silvia, ler seus textos é ter certeza que a leitura será prazerosa. Sem medo.
Vc usa e abusa com bastante intimidade dos fluxos de consciência, recurso que deu nó em muita gente- inclusive eu. É um prazer lê-los.
Concordo com as meninas: vc tem um estilo único.
Será um nova Clarice Lispector nipônica????
Muito bom.
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