Wednesday, July 11, 2007

Jornalismo literário - Um dedo de prosa

Adriana Alves

17 de abril de 2006. Estava feliz. Era mais uma repórter contratada do Jornal da Paraíba. Tinha feito teste de seleção e passei por méritos próprios - o que rendeu alegria para as minhas amigas e ódio, inveja, um dos sete pecado capitais (sem marketing para a novela da Globo) às minhas arquiinimigas. Minhas amigas diziam: "Tu é chique hein? Parabéns! Arrase lá".

Era justamente minha intenção. Soube também que iria trabalhar com um velho amigo dos tempos da faculdade, Esdras Marchezan, figura carismática, inteligente e batalhador. Ele, espertamente, tinha conseguido a vaga de repórter sem fazer teste de seleção, devido ao tempo que trabalha em jornal impresso. Era um menino visionário.

Pois bem, passadas as festividades da minha vitória (ou forca?), acordei cedo, bem cedinho mesmo, para ir assinar o contrato e definir questões como salário, horário, estas pequenas formalidades. Coloquei a melhor roupa, tomei um banho de aceio (aqueles bem demorado), até decorei um texto e ensaiei umas perguntinhas. Só por garantia.

Chego no jornal com um sorriso que não cabe em mim. Não usava aparelho nesta época, então podia abusar de sorrisos. A telefonista me atende. É Sheila, uma loira, alta, corpo curvilíneo e que recebe muitas cantadas. É simpática e tem muita paciência de poder suportar tantos marmajos e tantas ligações durante o dia. Tornara minha amiga depois de uns meses de convivência diária.

- Adriana, pode entrar. É no final do corredor. Bastos Farias está esperando.

Como já conhecia a sala, tinha feito teste, fui direto, dando bom dia aos poucos conhecidos do jornal. Entro na sala. Bastos Farias, editor na época, disse, ao mesmo tempo que limpava sua gaveta empoierada:

- Só um minuto Adriana, te atendo já.

- Tudo bem, disse.

E essa "limpeza" nunca chegava ao fim. Era tanto do papel velho que eu mesmo fiquei torcendo para minha alergia não me contaminar. Livros, currículos, pequenos lembretes, copinhos de café. Tudo era lixo.

- Então, você passou no teste....quer mesmo trabalhar no jornal impresso?? disse, para descontrair.

- Sim, quero. Gostaria de passar por uma redação. Era o meu sonho desde os tempos da faculdade.....

E ele começou a me assombrar com suas histórias de 18 anos de jornalismo.

- Olha Adriana, vou ser bem sincero com você que está entrando agora. Isso aqui não é vida não. Eu tenho 18 anos aqui e já estou saturado. O jornalismo é peso, o salário ainda é baixo, vida pessoal zero......

- Meus Deus!- pensei.... mas, como assim???

Eu me formei mesmo em jornalismo ou o quê? Claro que, na faculdade, talvez tenhamos uma visão romântica de como são as empresas jornalísticas. Ou, mesmo sabendo da escravidão, horas extras não pagas, salário baixo, pouco reconhecimento, mesmo assim, ainda desejamos fazer parte do time, do front. Fiquei a escutar todo aquele discurso, de dissabores, da labuta da profissão, mesmo sabendo que eu estreante, "foca" e sem nenhuma experiência em impresso.

- Olhe, aqui você fez teste e sabe como é a rotina. Impresso ocupa muito o tempo, há viagens para fazer. E se o repórter viajou num final de semana, isto não significa que não vai viajar no próximo. E o repórter tem de ir, argumentou.

Franzi a testa. Por um momento, fiquei achando que tinha escolhido a profissão errada, que ia adquirir uma gastrite logo na primeirsa semana, ia me viciar no cafezinho, perder cabelos, contrair uma LER, coisa do tipo.

Minha visão romântica tinha ido por água abaixo. Mas a forma como ele ia me alertando sobre o jornalismo impresso, sem ser rude, mas totalemente cru, na lata, sem rodeios. Isso ia me desilundindo.......

Bem vindo a realidade, Adriana, era o que ele queria me dizer.

As horas se passavam, era meio que uma tortura psicológica, estilo a triologia dos Jogos Mortais. Queria sumir, ir direto para o meu computador, ligar, sair para fazer rerportagens e satisfazer meu sonho pessoal.

- Você tem filhos?

- Não, respondi timidamente.

Era como se ele quisesse me dizer que este outro projeto pessoal estaria fadado ao fracasso, que iria demorar para ser mãe, que era melhor, de fato, ser solteira. Para viajar.

- Como eu lhe disse, vamos fazer viagens para o interior do estado.

Ele não queria que eu engravidasse. Era isso. Afinal, era novata e novatos todos sabem o que acontece..escravidão na certa.

Bastos era uma homem alto, forte, calvanhaque meio estilo-precisa-ser-feito. Chegava sempre com muitos jornais e papéis na redação - motivo pelo qual, vez ou outra, limpara a gaveta. Tinha 18 anos de empresa. Não ouvi, naquele dia, uma notícia boa, mesmo que tivesse sido furo de reportagem. Nem o salário havia me tirado a tensão de fazer jornalismo impresso.

Passei o restante do dia tensa. Meu Deus!! o que seria aquilo??

Não estou gostando desta prosa. Eu estava imersa na realidade do jornalismo brasileiro. Era a minha opção. Mesmo com esta recepção nada calorosa do chefe, já entrara na redação meio estressada, característica de jornalista de redação. O tempo passou. Nunca me esqueci deste dia. Até hoje me lembro deste momento grotesco. Depois de quase um ano de jornalismo impresso, matérias repetidas, estresse, salário baixo e outras cositas más, quando alguém me pergunta se desejo voltar à redação de jornal, respondo com uma frase dele: aquilo ali não é vida nãooooooooooooooooooooo!!!

9 comments:

Leandro Colling said...

Bom texto, descrição, narrativa, pena que não quer mais trabalhar em impresso.

Giselma Barbosa said...

Drika, você já tinha comentando comigo o stress que era sua vida na redação, mas a vida é assim..luta todos os dias.
Gostei do texto, bem descritivo.
Bjãooo
Gi

Alaine Santos said...

Concordo com Leandro. Vc no jornalismo impresso seria show de bola. Pense no assunto. Seu texto tem boas qualidades. Sua contrução da narrativa forma cenas para o leitor.

Liz Senna said...

Parabéns pelo texto!!!

Adriana Rodrigues said...

poisé Leandro, não é trauma. mas pensarei duas vezes antes de voltar à redação.

Luana Francischini said...

Oi, Adriana,
Gostei muito do texto. Só acho que poderia ter descrito mais a redação do jornal - ou o corredor até a sala do chefe - e ter dado algumas características dele uns parágrafos antes daquele que escolheu para descrevê-lo, depois que a conversa assustadora já rolava havia um tempinho...
Parabéns

Adriana Rodrigues said...

Gi, há coisas que vc pode evitar em favor da qualidade de vida.
Liz, Alaine, Luana....ótimas observações, muchas gracias!!

Débora said...

Vc parece evitar a redação, enquanto EU, sonho com o dia em que estarei dentro dela, sentindo cheio de café, misturado com cigarros (jornalista adora fumar), vestindo uma calça jeans, blusa estilo Hering branca ou verde, mochila nas costas ou daquelas estilo carteiro, AllStar (eu amo!), atolada de papel e com a gaveta como estava a do editor.
Essa é a vida que sempre pedi, mas nunca tive.

Adriana Rodrigues said...

Débora, boa sorte mesmo qdo entrar numa redação. Não é trauma minha,mas com o tempo vc pede para sair de lá.