Renata Purri
Centenas de olhares se cruzando num ambiente estranhamente ambíguo, cercado de tensão e tédio. Sentados na sala de embarque do aeroporto, passageiros ansiosos fingem ter calma. Ao fundo, cinco fileiras de cadeiras pouco confortáveis; a maioria ocupada. Na parte de frente da sala, outras fileiras de cadeiras grudadas como gêmeas siamesas. O piso frio e liso torna o lugar ainda mais fúnebre. O ar condicionado, com temperatura padrão, deixa tudo ainda mais entedioso, como repartição pública ou fila de cartório. Com exceção do choro estridente das crianças nervosas e cansadas, a vida, ali, parece estar dormindo. Pouco se ouve. Mas muito se olha. E como quase não há o que se olhar, observa-se as pessoas.
Atrás do vidro que separa os mortais que esperam pela hora do embarque dos mortais que estão de fato embarcando, ficam os deuses do Olimpo: os funcionários das companhias aéreas, com seus poderes mágicos de determinar a hora da partida. O uniforme tradicional que lembra o estilo criado pela American Airlines na década de 50 chega a ser patético. Mas ali está o poder e o centro das atenções. Todos esperam pela voz no microfone que, quando surge, mais parece um alerta de guerra. Corações disparados e neurônios mais-que-ativos aguardam com ansiedade ouvir "O" chamado. Mas ele não vem; e é preciso esperar mais. Novamente olhares frustrados se cruzam. E o tempo abre mais espaço para devaneios e elucubrações. Você aí, será que está indo pra onde? E aquele coroa charmoso sentado ao lado da loura malhada? Será que são amantes? A família, de volta das férias, parece cansada e feliz. Mas a mulher está chamando a atenção do marido: gastamos demais... O casal de velhos deve estar indo visitar o neto que nasceu lá no Ceará. E aquele paulista com jeito de metido à besta que deve fazer 5 viagens por semana a trabalho? Coitado, aposto que a mulher dele está nos braços do Ricardão. Vejam só aquela jovem, sozinha, com o bebê no colo. Será mãe solteira? E aqueles dois caras bonitos e com a expressão feliz no rosto? Aposto que são gays e foram viajar juntos pela primeira vez; devem ser os mais felizes da sala. Olha lá aquele senhor que mais parece um caipira saído das páginas de Guimarães Rosa; deve estar morrendo de medo do avião. E eu, com meu jeito meio lânguido. Como boa mineira, sou grande observadora. Como boa escorpiana, sou detalhista. Como meu vôo está atrasado, tenho tempo de sobra pra espiar. É hora de relaxar e gozar.
Tuesday, July 10, 2007
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3 comments:
Gosto do texto, boas observações, olho bem observador. Será que isso é coisa de escorpianos??
Marta Suplicy iria gostar de ler esse texto...
Bom olho mesmo.
Gostei do texto, bem observador e crítico, minucioso em detalhes. Ao lê-lo dá para se situar em um aeroporto e "espiar" os transeuntes.
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