Najara Lima
Havia acabado de realizar uma de suas tarefas mais corriqueiras e prazerosas. Deixara sua filha de 16 anos, paraplégica, na escola, e voltava para sua humilde casa, localizada em Itapuã. Era uma segunda-feira, 9 de julho, mais ou menos 7h da manhã. Não pôde terminar o trajeto. Seu destino mudaria quando quatro homens encapuzados saltaram de um carro prata e dispararam contra ele, Antonio Conceição Reis, 44 anos, ambientalista durante quase metade desse tempo.
A garagem da casa de número 14, na Rua Guararapes, a poucos metros da casa de Antonio, foi o cenário do crime que aterrorizou a população do bairro. Logo depois de ter seu corpo atingido por cápsulas de pistolas calibres 380 e 40, de uso exclusivo de policiais civis e militares, encontradas no local do crime, Antonio, que era presidente da ONG Nativos de Itapuã, foi jogado no porta-malas do veículo no qual se encontravam os bandidos.
Magro, alto, negro, Antonio era pai devotado de duas filhas, casado com Eliane Sampaio Silva Reis, dois anos mais velha que ele. Lutava pela preservação do meio ambiente e, inevitavelmente, agradava gregos e incomodava troianos. Conseguiu, junto à prefeitura, que o Carnaval e o Reveillon, eventos tradicionais há mais 50 anos, não mais fossem realizados na Lagoa do Abaeté, área de preservação ambiental. Segundo seu cunhado, Everaldo Sampaio, co-presidente do grupo ecológico, Antonio sempre pedia aos turistas que visitavam a região da lagoa para que não fossem às dunas.
No dia 6 de fevereiro deste ano, policiais civis entraram em sua casa, numa operação em busca de traficantes. A cena agressiva da invasão, com objetos pessoais destruídos na presença da sua mulher, Eliane, e de suas duas filhas, ainda adolescentes, não ficaria apenas como lembrança revoltante para Antonio. Ele resolveu, então, entrar com um processo contra os policiais. Não é difícil imaginar que suas ações, como ambientalista e como cidadão consciente de seus direitos, contrariaram muita gente.
Além da luta ambiental, Antonio ministrava palestras para estudantes, realizava caminhadas ecológicas e formava guias ambientais mirins. “Não era envolvido com drogas, era evangélico e trabalhava pela sociedade”. Dessa forma, Ives Quaglia tentava caracterizar o amigo com quem convivia há mais de 30 anos. Trabalhar pela sociedade não era suficiente para livrar Antonio de ameaças, que chegavam à sua casa através de cartas e ligações telefônicas.
No mesmo dia, por volta das 9h, duas horas depois do crime que chocou Itapuã, moradores da região de Sucupira, em Vila de Abrantes, encontraram um corpo carbonizado no porta-malas de um EcoSport prata. O veículo havia sido roubado no dia 31 de maio, no bairro do Garcia. Tinha placa original JQS-9300, mas ostentava uma clonada, de número JPQ-3292.
O estado em que foi encontrado o cadáver dificultou o reconhecimento, mas há indícios que o corpo seja de Antonio. Se for comprovado que o corpo é mesmo do ambientalista, pode-se mesmo dizer que tiros perfuraram o tórax que enfrentava comerciantes, e a cabeça, que pensava em preservar a natureza. As costelas que revestiam seu nobre coração foram fraturadas e uma das mãos, que não negavam ajuda a quem quer que dela necessitasse, ostentava uma chaga.
“Quem poderia ter feito um crime desses contra um ambientalista, que só fazia o bem?”, indaga Raimundo Bujão, amigo de infância de Antonio. Os agentes da 12ª Delegacia, localizada em Itapuã, tentam responder a essa pergunta inconformada. Muita gente pode achar óbvia a ligação entre as cápsulas encontradas, utilizadas exclusivamente por policiais civis e militares, com o processo aberto por Antonio contra os policiais que invadiram violentamente sua casa. A ligação não parece tão estreita assim se for levado em conta que esse tipo de arma chega facilmente, e com freqüência, nas mãos dos bandidos. O trabalho é árduo e longo. Amigos e parentes de Antonio parecem dispostos a esperar, contanto que o caso não seja mais um a atolar as gavetas de inquéritos criminais.
* Exercício produzido a partir das informações publicadas nos jornais A Tarde, Correio da Bahia e no BA TV.
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5 comments:
Muito bom o texto da nossa comentadora oficial. Continue assim.
Gostei do texto. Parece que já se familiarizou com o Jornalismo Literário. Rs Rs
Também gostei muito. Mostra que é possível sim "cobrir" o factual com uma narrativa muito mais rica e interessante.
Gostei do encaminhamento da narrativa, um parágrafo liga ao outro. O leitor não se perde!!! Foi muito bem conduzido e criativo.
Gostei muito do texto, Najara. Seqüencial e sem perder o ritmo. Só achei uma atitude ousada(e isso é coisa que o jornalismo faz conosco mesmo) o uso do adjetivo na frase em "seu NOBRE coração".
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