Saturday, July 14, 2007

Jornalismo Literário - Ele incomodava muita gente...

Aline D’Eça

Em quê pode resultar quem, na Bahia, ousa em enfrentar o peso da tradição de 50 anos de festas de reveillon e carnaval e consegue impedir que elas sejam realizadas porque degradam o meio ambiente? Alguém que promove o fim da pesca em uma lagoa tradicional porque a atividade traz danos à natureza; que presta queixa contra a ação truculenta de policiais; que é pobre; negro mora em um bairro marcado pela violência e insegurança? Vários tiros na cabeça a poucos metros de casa e o corpo incendiado deixado, estrategicamente (ou por um acaso tão irônico que fica difícil pensar em coincidência), em uma reserva ambiental. Este foi o fim de Antônio Conceição Reis, 44 anos, quase 20 deles dedicados às questões ambientais principalmente na região da Lagoa do Abaeté, em Itapuã.

Evangélico, o ambientalista e presidente da ONG Nativos de Itapuã, que além de negro possuía corpo magro e cabeça raspada, um tipo comum na região, acabara de deixar a filha paraplégica, de 16 anos, e retornava para casa possivelmente despreocupado, a passos lentos, como em manhãs parecidas àquela, desta vez nublada, naquela segunda-feira, 9 de julho de 2007. Entretanto, as ameaças dos últimos meses fez-se concretizar quando foi surpreendido por homens encapuzados em frente à garagem da residência de número 14, a poucos metros da sua, na Rua Guararapes – um local aparentemente pobre, com casas de poucas cores, a maioria em tons nublados, cor de cimento. O cinza do asfalto mal batido que reveste a rua, no entanto, logo foi manchado pelo vermelho do sangue do ambientalista que quedou no chão após receber alguns tiros na cabeça. Os assassinos, que desferiram mais tiros contra Antônio no chão, estavam em um Ford Ecoesport cor prata. O automóvel, onde o corpo do ambientalista foi colocado no porta-malas, partiu em disparada do local com os bandidos, deixando a vizinhança aterrorizada...

Alguns moradores, que presenciaram a cena, correram para comunicar o fato à Central Única de Telecomunicações da Polícia (Centel), que então acionou o plantão da 12ª Delegacia de Polícia de Itapuã.

No local do crime, além de curiosos, os agentes encontraram no asfalto parte da massa encefálica e dentes de Antônio, além de 14 cápsulas de pistolas 380 e 40, de uso exclusivo das polícias.

Algumas horas depois, enquanto a esposa da vítima, Eliene Sampaio Reis, uma senhora de quarenta e poucos anos, afrodescendente clara e gordinha, cabelos castanho claros crespo-alisados mal penteados na altura da nuca, de olhos castanhos, por detrás dos óculos, amedrontados, contava com a voz resignada e não muito surpresa à delegada Francineide Moura que o marido vinha sendo alvo de ameaças de morte e ligações anônimas, uma equipe de policiais encontrou, em uma reserva ambiental próxima ao Recanto Ecológico Sucupira, em Camaçari, um carro de placa JQS-9300, mas que ostentava a placa clonada JPQ-3292, com as mesmas características daquele em que o ambientalista foi levado. O veículo estava completamente destruído pelo fogo e com um corpo carbonizado dentro dele. Todos os indícios levam a crer de que seja o de Antônio Reis.

Revoltados, amigos e familiares desconfiam que o crime tenha sido motivado pela ação do ambientalista, mais conhecido na região como "Antônio Nativo", em defesa da Lagoa do Abaeté, um cartão postal da capital baiana, marcado por muito verde, banhado por uma lagoa de água escura, em contraste com as belas formações alvas de areia, mas que há algum tempo vem deixando de ser recomendado aos turistas por questão de ..... segurança.

A morte de Antônio, como insistem ambientalistas e líderes comunitários, foi conveniente para muitos. Comerciantes bastante prejudicados pelo fim das festas na região. Policiais que temiam ser desmascarados pelo ambientalista, que denunciou uma ação truculenta da Polícia no combate ao tráfico no local em fevereiro, quando invadiram a sua casa... Hipóteses a serem investigadas com cuidado. A única certeza é que alguém que incomodava muita gente agora está morto.

Ainda assustados, os moradores da pobre rua de Itapuã, que serviu de palco para o crime, tentam tirar do asfalto a mancha vermelha que ficou marcada no chão. Mas mesmo com toda água e sabão utilizada por eles, aquela cor, aquele crime, jamais sairá das suas mentes... Ficará para sempre o medo: o medo de tentar fazer justiça e ter o mesmo fim do velho "Nativo".

4 comments:

Aline D'Eça said...
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Aline D'Eça said...

Não costumo fazer isso, mas quis ser a primeira a comentar meu texto. Achei ele pesado, sem a fluidez e leveza que o jornalismo literário requer. Arrisquei uma postura crítica (o que o jornalismo literário até permite, mas os jornais possivelmente não permitiriam). Apesar de estar consciente disso, e de que não estava bem inspirada, o mantive do jeito que produzi em aula.

Luana Francischini said...

Aline, realmente achei o texto um pouco convencional. Apesar de bem escrito, descritivo, falta a fluidez que o jornalismo literário permite. Principalmente do meio para o fim fica muito próximo ao noticiário do dia-a-dia, em relação ao estilo adotado.

Leandro Colling said...

Concordo com as análises e entendo as limitações do exercício.