Fábio Guerra
Há mais de um ano, João vivia naquela situação. Num belo dia do mês de setembro de 97 foi chamado à sala do seu chefe que anunciou não mais precisar dos seus serviços. A ficha demorou a cair. Logo ele que acabara de ser promovido, estava agora sendo demitido do emprego que era a sua vida. Nele passava pelo menos seis dias por semana, sempre trabalhando durante mais de dez horas por dia. Em muitas ocasiões abriu mão da folga semanal, pois aquela empresa era mais que uma fonte de renda. Era também sua fonte de amizades, respeito e amor, já que lá trabalhava também sua namorada Maria, além dos seus mais próximos amigos. Folgar pra que? Pensava com freqüência.
De repente perdera tudo e, com o passar do tempo, foi perdendo também a paciência com aqueles poucos amigos que ainda o procuravam de vez em quando, sempre perguntando se havia surgido alguma oportunidade de trabalho. Mas não era a pergunta em si que o incomodava, e sim, a forma. O tom de voz dos amigos era sempre de lamentação, como se João fosse incapaz de conseguir um emprego e estivesse fadado ao fracasso. O olhar era de piedade, como quem olha para um mendigo ou cachorro faminto e não tem nada a oferecer.
Aquilo o deixava com muita raiva, mas o único culpado era ele mesmo. Perguntou-se várias vezes se não estava com pena de si mesmo e, por isso, assumiu inconscientemente o papel de coitadinho. Aquilo precisava acabar e, por isso, resolveu mudar tudo, reunindo suas
últimas economias e embarcando para Maceió, cidade onde moravam alguns membros da familia. Renascia a esperança.
Quatro meses após ter embarcado com a roupa do corpo para a capital alagoana, estava novamente em um avião, agora voltando para Salvador, onde certamente encontraria as mesmas pessoas que o magoaram, ainda que involuntariamente. Imprensado entre as apertadas poltronas do avião, pôs-se a ponderar sobre o período em que morou em Maceió. Teria sido a viagem uma fuga covarde da realidade? Ou quem sabe uma forma corajosa de mudar para melhor o seu destino? Lembrou-se de quando chegou à cidade, sendo recebido com frieza pelos parentes locais. Estava então sem rumo, sem amigos, solitário, porém esperançoso. Pensou, com um leve sorriso no rosto, no primeiro dia na cidade, quando, por uma coincidência incrível, foi procurar emprego justamente na empresa de sua irmã por parte de pai, a quem nunca conheceu e nem desejava conhecer.
- Essa vida nos prega peças! Sussurou.
E, finalmente, foi invadido por uma sensação de felicidade ao lembrar das pessoas que conheceu nas lindas praias da cidade e das mulheres que fizeram seu coração maltratado pulsar novamente com alegria. Tomado por este repentino bem estar, pôde, enfim, ter a certeza de que a viagem não tinha sido uma fuga, mas, sim, uma volta por cima com estilo. Encostou-se então na poltrona reclinável do avião e dormiu um sono tranquilo até a hora de desembarcar em mais uma etapa de sua vida.
Wednesday, July 11, 2007
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8 comments:
Muito bom o texto. Do jeito que você fala do João, parece que ele é, na verdade, você. Senti identificação com o lance de ficar sem emprego. O sentir-se nada, sozinho, um merda. Logo que cheguei em Salvador fiquei desempregada por amargos 12 meses. Agora, essa parte do "coração maltratado" soou meio cafajeste ou é só maldade minha? haha
Gostei muito de texto, bastante narrativo e identifiquei também fluxo de consciência, no entanto senti falta da descrição. O que aconteceu com Maria??
Acho que o "coração maltratado" é mesmo "meio cafajeste", mas não no sentido negativo. Posso até não concordar, mas dá uma informação a mais do João. Um cara boa gente, mas meio cafajeste e pronto.
me passou muito o que o cara tava sentindo... mas não consegui vê-lo, entende?
o texto está com um encaminhamento muito bom.
Bom, Maria deixou João dizendo que apesar de gostar dele, considerava-se muito jovem para conviver com aqueles problemas. O coração maltratado é verdadeiro. Em Maceió, João se viu novamente capaz de gostar de alguem (ou de "alguens") e de ser amado também. Essa parte foi importante.
Achei sensacional a narrativa. O texto passa muita emoção e humanização. Sente-se o fluxo de consciência em muitos momentos. Parabéns, essa história é a sua cara.
Renê Vilela
Bom texto. Novamente destaco como o que se passa na cabeça das pessoas é importante para entendermos o "real".
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